Considerações sobre o espelho da prova de Penal do XV Exame de Ordem

Quarta, 4 de fevereiro de 2015

Os professores Geovane Moraes e Ana Cristina elaboraram algumas considerações sobre o espelho da prova de Penal.

Confiram abaixo:

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Pessoal, a FGV manteve o espelho de correção preliminarmente divulgado. Eu e a Professora Ana Cristina tecemos algumas considerações sobre como recorrer, bem como externamos nossa discordância sobre alguns pontos do espelho de correção da peça prático profissional, conforme já havíamos nos manifestado anteriormente.

Nossa primeira recomendação para aqueles que necessitam interpor recurso é a de que, antes de qualquer coisa, com calma e tentando manter a clareza na observação, coloquem sua prova de um lado e o espelho de correção da FGV do outro, de forma que possam compará-los minuciosa e atentamente em busca de eventuais ERROS MATERIAIS DE CORREÇÃO, os quais são muito comuns!

E O QUE SÃO ERROS MATERIAIS DE CORREÇÃO?

Tudo que constar no espelho de correção oficial e na sua prova e que não tenha sido levado em consideração pelo corretor. Ou seja, você escreveu, mas não foi devidamente pontuado.

Em outras palavras, você deve procurar mostrar que citou aquilo que exigia o espelho oficial, ainda que o tenha feito com outras palavras ou em uma ordem diversa da que consta no espelho divulgado.

Ao elaborar o recurso, destaque inclusive o número da linha da folha de respostas em que você indicou o que foi pedido.  Este será, com certeza, o grande fundamento da maioria dos recursos. Mostrar que você colocou o que a banca pedia e que o corretor deixou de atribuir a pontuação devida. É um trabalho minucioso, cansativo, mas que só você pode fazer.

Também é importante que não sejam copiados modelos prontos de recursos, ainda que tenham sido elaborados por outros candidatos, pois recursos semelhantes são automaticamente indeferidos. Para maiores informações sobre isso, meu patrão Maurício Gieseler tece comentários no blog Exame de Ordem que são de extrema importância no blog: 2ª fase do XV Exame da OAB: como elaborar um recurso técnico e eficiente?

Feitas estas considerações, vamos ao conteúdo do espelho oficial propriamente dito.

Como antes mencionado, vislumbramos pontos suscetíveis de recursos.

1.  Entendemos que a peça prático profissional, no que tange ao instituto do concurso de crimes, conforme indicado nos itens 4.4, bem como 5 ?e?, merecem reparos, sendo possível a interposição de recurso pelos motivos de fato e de direito que iremos a seguir dispor.

Estabelece a peça prático profissional:

Enrico, engenheiro de uma renomada empresa da construção civil, possui um perfil em uma das redes sociais existentes na Internet e o utiliza diariamente para entrar em contato com seus amigos, parentes e colegas de trabalho. Enrico utiliza constantemente as ferramentas da Internet para contatos profissionais e lazer, como o fazem milhares de pessoas no mundo contemporâneo.

No dia 19/04/2014, sábado, Enrico comemora seu aniversário e planeja, para a ocasião, uma reunião à noite com parentes e amigos para festejar a data em uma famosa churrascaria da Cidade de Niterói, no Estado do Rio de Janeiro. Na manhã de seu aniversário, resolveu, então enviar o convite por meio da rede social, publicando postagem alusiva à comemoração em seu perfil pessoal, para todos os seus contatos.

Helena, vizinha e ex-namorada de Enrico, que também possui perfil na referida rede social e está adicionada nos contatos de seu ex, soube, assim, da festa e do motivo da comemoração. Então, de seu computador pessoal, instalado em sua residência, um prédio na praia de Icaraí, em Niterói, publicou na rede social uma mensagem no perfil pessoal de Enrico.

Naquele momento, Helena, com o intuito de ofender o ex-namorado, publicou o seguinte comentário: ?não sei o motivo da comemoração, já que Enrico não passa de um idiota, bêbado, irresponsável, e sem vergonha!? e com o propósito de prejudicar Enrico perante seus colegas de trabalho e denegrir sua reputação acrescentou, ainda, ?ele trabalho todo dia embriagado! No dia 10 do mês passado, ele cambaleava bêbado pelas ruas do Rio, inclusive, estava tão bêbado no horário do expediente que a empresa que a empresa em que trabalha teve que chamar uma ambulância para socorrê-lo!?

Imediatamente, Enrico, que estava Enrico, que estava em seu apartamento e conectado à rede social por meio de seu tablete, recebeu a mensagem e visualizou a publicação com os comentários ofensivos de Helena em seu perfil pessoal. Enrico, mortificado, não sabia o que dizer aos amigos, em especial a Carlos, Miguel e Ramirez, que estavam em seu lado naquele instante. Muito envergonhado, Enrico tentou disfarçar o constrangimento sofrido, mas perdeu todo o seu entusiasmo, e a festa comemorativa deixou de ser realizada. No dia seguinte, Enrico procurou a Delegacia de Polícia Especializada em Repressão aos Crimes de informática e narrou os fatos à autoridade policial, entregando o conteúdo impresso da mensagem ofensiva e a página da rede social na internet onde ela poderia ser visualizada. Passados cinco meses da data dos fatos, Enrico procurou seu escritório de advocacia e narrou os fatos acima. Você, na qualidade de advogado de Enrico, deve assisti-lo. Informa-se que a Cidade de Niterói, no Estado do Rio de Janeiro, possui Varas Criminais e Juizados Especiais Criminais.

Com base somente nas informações de que dispõe e nas que podem ser inferidas pelo caso concreto acima, redija a peça cabível, excluindo a possibilidade de impetração de habeas corpus, sustentando, para tanto, as teses jurídicas pertinentes. (Valor: 5,0 pontos)

Apresentou a Excelsa Banca a exigência de indicação de concurso formal de crimes e atribuiu a seguinte pontuação conforme pode se desprender do espelho oficial.

Item 4.4 - Incidência do concurso formal de delitos (0,30), previsto no Art. 70, do CP (0,10)

Item 5. Dos Pedidos

e) A condenação da querelada (0,50) pelo crime de injúria (Art 140 do CP) (0,10) e pelo crime de difamação (Art 139 do CP (0,10) com a causa de aumento de pena (Art 141, III do CP) (0,10) em concurso formal de delitos (Art 70 do CP) (0,10).

Entendemos, respeitosamente, que tal posicionamento externado no espelho oficial merece reparo.

A peça a ser elaborada, uma Queixa-Crime, possui viés acusatório. O querelante, na situação hipotética e em tese jurídica arguida na prova, busca a tutela da esfera penal por entender ter sido vítima de ofensas a sua honra objetiva e subjetiva.

Assim sendo, o seu patrono, deve arguir as teses jurídicas inquisitivas que melhor demonstrem a ofensividade da conduta do querelado e o dano sofrido por seu constituinte.

Reconhecer concurso formal de crimes seria adotar tese menos incisiva ao acusado, o que é descabido em uma peça por natureza inquisitiva como a Queixa-Crime.

O concurso formal de crimes produz por consequência a aplicação da exasperação da pena. Nos termos estabelecidos no art. 70 do CP, deverá o juiz proceder a dosimetria individualizada da pena por cada delito e depois observar se estas penas obtidas são idênticas ou distintas entre si. Em sendo estas idênticas, tomará o magistrado uma delas. Em sendo distintas, tomará o juiz a maior dentre elas. Em qualquer um dos dois casos, deverá proceder a exasperação desta pena, tendo como patamar mínimo 1/6 e patamar máximo até a metade, conforme expressa disposição normativa. Tal expiração não seria aplicável apenas se o resultado obtido fosse superior à aplicação do cúmulo material de penas, ou seja, da simples soma das penas obtidas após a dosimetria. Neste caso, deve ser aplicado o instituto do cúmulo material benéfico, conforme previsão constante ao teor do art. 70, parágrafo único do Código Penal.

Por conseguinte, percebe-se que o reconhecimento do concurso formal perfeito, quando aplicável ao caso concreto, representa tese benéfica ao réu, o que não é cooptável com viés inquisitivo e acusatória decorrente da própria essência da queixa-crime.

Outrossim, reconhecer concurso formal imperfeito, no caso concreto, que produz as mesmas consequências jurídicas do concurso material, seria optar por uma tese que demanda demonstração de desígnios de vontades autônomos no momento da prática de uma única conduta, tese de mais difícil caracterização com base exclusivamente nos dados apresentados no enunciado da questão problema e que ao final, levaria ao mesmo resultado jurídico - a aplicação do cúmulo material das penas - que poderia ser alcançado com a arguição da tese de concurso material, mais facilmente perceptível e demonstrável na casuística apresentada.

Destaque-se que o padrão de resposta divulgado pela respeitável banca, ao recomendar que a natureza do concurso de crimes a ser reconhecido deveria ser o formal, conforme indicado nos itens 4.4 e 5 ?e?, suscitou ao aluno a necessidade de um raciocínio largamente aplicado com um viés de minoração da responsabilidade pessoal do agente delituoso em uma peça de lógica geral, notoriamente, acusatória. Ao redigir a peça, um dos objetivos deveria ser demonstrar sobremaneira a responsabilidade penal do querelado, objetivando a aplicação dos rigores da lei, com o máximo de eficiência permitida pelo ordenamento.

Tal vertente inquisitiva, por parte do candidato, já foi, inclusive, exigida em provas anteriores, como por exemplo, VII Exame de Ordem quando o aluno deveria elaborar uma apelação funcionando como assistente de acusação. Exigir que, neste momento, ao se elaborar uma peça acusatória a postura adotada não fosse inquisitiva, significa, respeitosamente, ordenar que o avaliado desconsidere o entendimento que, anteriormente, a Fundação Getúlio Vargas já havia externado.

Assim sendo, a tese de concurso material de crimes seria a mais adequada a situação hipotética apresentada, sendo cabível, em nosso entendimento, a anulação dos itens que tratam do concurso formal, devendo ser procedido a questão da pontuação conforme previsto no edital que rege o exame.

2. Entendemos que a peça não deve ser datada.

O enunciado em momento algum fazia referência a este pedido ou apresentava quaisquer elementos que pudéssemos suscitar, de forma razoável e cartesiana a necessidade de indicação de data especificamente externada.

Datar a peça sem que tal procedimento seja pedido no enunciado pode ser considerado como marcação de prova, o que, segundo orientação constante no próprio edital, deve ser evitado por parte do aluno, sob pena de ser considerado situação que iria produzir eliminação do candidato. Estabelece o edital, in verbis:

3.5.2. O caderno de textos definitivos da prova prático-profissional não poderá ser assinado, rubricado e/ou conter qualquer palavra e/ou marca que o identifique em outro local que não o apropriado (capa do caderno), sob pena de ser anulado. Assim, a detecção de qualquer marca identificadora no espaço destinado à transcrição dos textos definitivos acarretará a anulação da prova prático-profissional e a eliminação do examinando.

Assim sendo, entendemos não ser cabível a arguição da datação da Queixa-Crime, devendo a pontuação constante no item 7 do espelho de correção ser atribuída a todos os avaliados, desde que os demais critérios constantes neste item tenham sido devidamente satisfeito.

3. Entendemos, permissa vênia, ser descabida a atribuição de pontuação conforme constante no item 6 do espelho de correção para a indicação do rol de testemunhas com apenas o primeiro o nome das pretensas testemunhas indicadas. Tal entendimento deriva, inicialmente da doutrina e, posteriormente, da interpretação do ordenamento jurídico. Leciona a doutrina dominante que os requisitos da peça acusatória se subdividem em: essenciais e não essenciais. Os requisitos essenciais são aqueles que, não estando presentes no caso concreto, devem suscitar a rejeição liminar da peça acusatória. Os requisitos não essenciais são aqueles que não impendem o recebimento desta peça por fazerem referência a institutos que irão ser inequivocamente apresentados no curso da instrução probatória. Conforme posicionamento de ilustres doutrinadores como o Professor Hidejalma Muccio, Julio Fabbrini Mirabete, Fernando Capez, Fernando da Costa Tourinho Filho e Andrey Borges de Mendonça apenas para citar alguns já tecendo loas e respeitos aos demais doutrinadores não indicados, a ausência de rol de testemunhas configura-se requisito não essencial à propositura da ação penal, sendo esta mera faculdade de quem exerça a atividade dominus litis, ou seja, assume a posição acusatória, como acontece ao ser proposta uma queixa-crime.

Assim sendo, o arrolamento de testemunhas é facultativo, não ensejando a sua ausência inépcia da inicial nem, tão pouco, nenhuma forma de nulidade.

Todavia, em sendo posição da excelsa banca que rol de testemunhas, obrigatoriamente deve ser apresentado, ainda que tal entendimento não compactue com o posicionamento doutrinário dominante, seria necessário, então, que fosse exigido do avaliado a indicação de todos os elementos de qualificação da testemunha indicados no art. 407 do Código de Processo Civil, visto ser o Código de Processo Penal silente sobre tal qualificação, devendo o operador de direito, em respeito a boa hermenêutica jurídica, recorrer a linha matter da teoria geral do processo esculpida no código de processo civil.

Estabelece in verbis o CPC:

Art. 407. Incumbe às partes, no prazo que o juiz fixará ao designar a data da audiência, depositar em cartório o rol de testemunhas, precisando-lhes o nome, profissão, residência e o local de trabalho; omitindo-se o juiz, o rol será apresentado até 10 (dez) dias antes da audiência.

Assim sendo, em entendendo a banca que a qualificação das testemunhas no rol é indispensável à guisa de merecer a pontuação constante no espelho deveriam ter sido fornecidos elementos no enunciado que permitissem tal qualificação. Não tendo sido fornecido tais elementos, descabe a exigência constante no espelho.

Conclui-se, portanto, que seja por interpretação doutrinária, seja por aplicação puramente legal de dispositivos normativos, exigir do candidato a indicação do rol de testemunhas apenas com o primeiro nome das eventuais pessoas a serem ouvidas é, em nosso entendimento, inadequado à realidade da prova apresentada, merecendo, portanto, a anulação de tal item de pontuação e a adoção dos procedimentos estabelecidos no edital.

Muita força, garra e perseverança a todos.

Um forte abraço.