Considerações e fundamento para recurso das questões de Direito Penal do Exame da OAB

Terça, 19 de julho de 2011

O professor de Direito Penal do Portal, Geovane Moraes, teceu uma série de considerações sobre a prova objetiva do domingo. Confiram:

Considerações sobre as questões CONSIDERAÇÕES SOBRE AS QUESTÕES DE DIREITO PENAL DO EXAME DA OAB 2011.1

Inicialmente, tomaremos como referência o caderno de provas Tipo 2 ? Verde. Para facilitar, ao indicar o gabarito, indicarei o início do texto da alternativa apresentada como gabarito.

Foram argüidas cinco questões de Direito Penal, sendo que duas delas (números 59 e 61) versando sobre aplicação e substituição de pena, uma sobre tipificação ou não de crime contra a paz pública (número 62), uma sobre reincidência e maus antecedentes (número 63) e a última sobre crime de peculato (número 64).

Percebo uma falha clara na distribuição dos assuntos, pois temas como tentativa e consumação, dolo e culpa, critérios de exclusão de ilicitude e de imputabilidade, concurso de pessoas, entre outros, extremamente relevantes ao cotidiano do operador do Direito Penal não foram suscitados, sequer de forma tangencial. Em contrapartida, temas como critérios de dosimetria de pena, assunto normalmente só abordado em provas de magistratura, ou ilícito de incitação ao crime receberam destaque.

Quanto ao nível das questões, entendo estarem em descompasso com o que deve ser o real objetivo do exame da OAB ? avaliar se o bacharel possui um nível de conhecimento razoável para ingresso nos quadros da Ordem. Das cinco questões, duas podem ser consideradas difíceis (números 62 e 64), pois presumem que o examinado tenha memorizado a taxatividade normativa sobre crimes específicos, o que em minha opinião não é razoável. Outras duas podem ser consideradas muito difíceis (números 61 e 63).

Em relação ao gabarito oficial preliminar divulgado pela Fundação Getúlio Vargas, discordo peremptoriamente da resposta dada para duas questões (números 63 e 64), entendendo inclusive que a questão número 63 deve ser anulada e a questão número 64 deve ter seu gabarito oficial alterado, pelos motivos que aduzirei abaixo.       

Questão 59 - Com relação aos critérios para a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, assinale a alternativa correta.

GABARITO OFICIAL ? LETRA B

NOSSO GABARITO - LETRA B

a) Falsa, porque não basta que a condenação imputada ao réu não seja superior a 4 anos, sendo necessário que o crime tenha sido praticado sem violência ou grave ameaça à pessoa ou qualquer que seja a pena se o crime for culposo, nos termos do art. 44, I do CP.

b) VERDADEIRA Se superior a um ano, a pena privativa de liberdade pode ser substituída por uma pena restritiva de direitos e multa ou por duas restritivas de direitos, nos termos do Art. 44, §2º do CP.

c) Falsa, porque a substituição da Pena Privativa de Liberdade pela Pena Restritiva de Diretos pode ocorrer ainda que o condenado seja reincidente em crime doloso, desde que a reincidência não se processe pelo mesmo delito e a medida seja socialmente recomendável, nos termos do Art. 44, §3º do CP.

d) Falsa, pois em ocorrendo descumprimento injustificado da Pena Restritiva de Direitos, esta será convertida em Pena Privativa de Liberdade deduzido o tempo cumprido da Pena Restritiva de Direitos, respeitado o saldo mínimo de 30 dias de detenção ou reclusão, nos termos do Art. 44, §4º do CP.

Questão 61 - Em relação ao cálculo da pena, é correto afirmar que

GABARITO OFICIAL ? LETRA C  

NOSSO GABARITO - LETRA C

(Inicialmente ocorreu um erro de digitação na divulgação do nosso gabarito em relação a esta questão, sanado nas primeiras horas da segunda-feira, dia 1872011)

O cálculo da pena é feito de acordo com o sistema trifásico, nos termos do art. 68 do CP. Na primeira fase da dosimetria, será fixada a pena base atendendo aos critérios do art. 59 do CP. Na segunda fase, serão levadas em consideração as circunstâncias atenuantes do art. 65 e as agravantes do art. 61 do CP. Na terceira fase serão arguidas as causas de aumento e diminuição da pena.

a) Falsa por afirmar que a reincidência precede a verificação dos maus antecedentes, quando na verdade a questão dos maus antecedentes deve ser arguida na primeira fase da dosimetria.

b) Falsa, pois não pode o juiz, ao fixar a pena base, estabelecê-la no patamar acima do máximo cominado em lei.

c) VERDADEIRA, porque não pode o magistrado fixar a pena intermediária acima do máximo previsto em lei se ainda existe agravantes a serem consideradas.

d) Falsa, pois o acréscimo de pena pela embriaguez preordenada deve ser feito concomitantemente à redução pela confissão espontânea, na segunda fase da dosimetria da pena.

Questão 62 - Osíris, jovem universitária de Medicina, soube estar gestante. Todavia, tratava-se de gravidez indesejada e Osíris queria saber qual substância deveria ingerir para interromper a gestação.  Objetivando tal informação, Osíris estimulou uma discussão em sala de aula sobre o aborto. O professor de Osíris, então, bastante animado com o interesse dos alunos sobre o assunto, passou também a emitir sua opinião, a qual era claramente favorável ao aborto. Referido professor mencionou, naquele momento, diversas substâncias capazes de provocar a interrupção prematura da gravidez, inclusive fornecendo os nomes de inúmeros remédios abortivos e indicando os que achava mais eficazes. Além disso, também afirmou que as mulheres deveriam ter o direito de praticar aborto sempre que achassem indesejável uma gestação. Nesse sentido, considerando-se apenas os dados mencionados, é correto afirmar que o professor de Osíris praticou

GABARITO OFICIAL ? LETRA C

NOSSO GABARITO - LETRA C

A Letra ?C? está VERDADEIRA porque o ilícito tipificado nos termos do art. 286 do CP, definido com incitar publicamente a prática de crime, caracteriza-se como uma conduta onde se exige o elemento subjetivo do dolo, não se admitindo modalidade culposa. Tal incitação deve ainda colocar efetivamente em risco a paz social. Para configurar o delito é indispensável que o sujeito ativo instigue pessoas determinadas ou indeterminadas da coletividade a praticar crimes específicos e em circunstâncias previamente delimitadas.

A mera manifestação genérica ou a manifestação de posições pessoais do agente não são suficientes para caracterização do delito.  Assim sendo, no contexto apresentado na questão, o professor de Osíris, durante a atividade docente, externou opiniões pessoais e conhecimentos técnicos sobre o tema aborto sem possuir dolo de que nenhum dos seus alunos viesse efetivamente a praticar conduta de natureza criminosa. Assim sendo, temos fato atípico, não se justificando caracterização do ilícito de incitação ao crime.

Questão 63 ? Tício praticou crime de furto (art. 155 do Código Penal) no dia 1012000, um crime de roubo (art. 157 do Código Penal) no dia 25112001 (...)

GABARITO OFICIAL ? LETRA C

NOSSO GABARITO - SEM GABARITO

(QUESTÃO NO NOSSO ENTENDIMENTO CLARAMENTE PASSÍVEL DE ANULAÇÃO)

 a) Falsa, porque o nosso ordenamento jurídico-penal (termo utilizado na questão) prevê que a reincidência é desnaturada após o prazo de 05 anos após o efetivo cumprimento da pena. (art. 65 do CP). Além disso, os maus antecedentes somente são configurados em relação às condenações anteriores com o trânsito em julgado e que não sirvam para efeito de reincidência. Já a reincidência, conforme prevê o art. 63 do CP, ocorrerá quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no país ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior, ou seja, o mencionado artigo refere-se a três fatos indispensáveis à caracterização da reincidência: 1) pratica de crime anterior; 2) trânsito em julgado da sentença condenatória; 3) prática de novo crime, após o trânsito em julgado da sentença penal condenatório.

Os maus antecedentes devem ser entendidos como os fatos da vida do indivíduo que está sendo julgado que devem ser levados em consideração para demonstrar uma maior ou menor proximidade do réu com a prática de delitos.

Não é possível tomar maus antecedentes como sinônimo de reincidência, pois se assim o fosse, a manifestação de ambos os institutos na dosimetria da pena representaria bis in idem, teoria descartada pelo STF.

HABEAS CORPUS. PENAL. ROUBO QUALIFICADO PELO CONCURSO DE AGENTES. PENA. DOSIMETRIA. PENA-BASE. MAJORAÇÃO. MAUS ANTECEDENTES. REINCIDÊNCIA. BIS IN IDEM. INOCORRÊNCIA. DIVERSIDADE DE CONDENAÇÕES DEFINITIVAS. CRIME COMETIDO POR TRÊS AGENTES. CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL DESFAVORÁVEL. CONSIDERAÇÃO. APLICAÇÃO DA CAUSA DE AUMENTO REFENTE AO CONCURSO DE AGENTES. DUPLA VALORAÇÃO. OCORRÊNCIA. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. I ? Ao fixar a pena-base acima do mínimo legal, o magistrado sentenciante levou em conta os maus antecedentes ostentados pelo réu e, na etapa seguinte, majorou a pena em virtude da reincidência, considerando a existência de mais de uma condenação definitiva. Não há falar em dupla valoração do mesmo fato, portanto. II ? Entretanto, ainda na fixação da pena-base, fez referência à circunstância de ter sido o crime cometido por três agentes, o que teria reduzido a capacidade de defesa da vítima. Na terceira etapa da individualização, aplicou a causa de aumento relativa ao concurso de agentes pelo mesmo fato, em franca violação ao postulado ne bis in idem. Constrangimento ilegal configurado. III ? Ordem parcialmente concedida, mantida a condenação, para determinar o redimensionamento da pena, com a exclusão do acréscimo referente à circunstância do crime. STF - HC 107556 / MS Relator(a):  Min. RICARDO LEWANDOWSKI. Julgamento:  31/05/2011

Além do mais, a reincidência será desnaturada após o transcurso do lapso temporal de cinco anos respeitando-se os termos do art. 64 do CP, fato que não ocorre com os maus antecedentes, conforme entendimento do STF:

HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL. INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA. FIXAÇÃO DA PENA-BASE ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. CONDENAÇÕES EXTINTAS HÁ MAIS DE CINCO ANOS. MAUS ANTECEDENTES. CARACTERIZAÇÃO. PRECEDENTES. RECURSO DESPROVIDO. I - Embora o paciente não possa ser considerado reincidente, em razão do decurso do prazo de cinco anos previsto no art. 64, I, do Código Penal, a existência de condenações anteriores caracteriza maus antecedentes e demonstra a sua reprovável conduta social, o que permite a fixação da pena-base acima do mínimo legal. Precedentes. II - Recurso ordinário em habeas corpus desprovido. STF - RHC 106814 / MS - Relator(a):  Min. RICARDO LEWANDOWSKI. Julgamento:  08/02/2011

b) Falsa, porque Tício, na sentença do crime de furto, não é considerado portador de maus antecedentes, uma vez que existiu tão somente ações penais em curso, sem o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Neste sentido:

STJ

PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 148 DO CÓDIGO PENAL. DOSIMETRIA DA PENA. FUNDAMENTAÇÃO ADEQUADA. MAUS ANTECEDENTES. CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL DESFAVORÁVEL. CONDUTA SOCIAL. CONDENAÇÃO NÃO TRANSITADA EM JULGADO. REGIME PRISIONAL. PREJUDICADO. I - Não há ilegalidade no decreto condenatório que, analisando o art. 59, do CP, verifica a existência de circunstâncias judiciais desfavoráveis aptas a embasar a fixação da pena-base acima do mínimo legal, quais sejam, alto grau de culpabilidade dos pacientes e circunstâncias do crime (Precedentes).  II - Dessa forma, tendo sido fixada a pena-base acima do patamar mínimo, mas com fundamentação concreta e dentro do critério da discricionariedade juridicamente vinculada, não há como proceder a qualquer reparo em sede de habeas corpus. III - Em respeito ao princípio da presunção de inocência, inquéritos e ações penais em andamento, por si, não podem ser considerados como maus antecedentes, sendo inadequada sua valoração em sede de conduta social para fins de exacerbação da pena-base (Precedentes). IV - Acolhido o pleito para anular a dosimetria da pena, resta prejudicado, por ora, o pedido para que seja fixado o regime inicial aberto. Ordem parcialmente conhecida e, nesta parte, parcialmente concedida para determinar que o e. Tribunal a quo realize novo cálculo da pena privativa de liberdade, desconsiderando a conduta social como circunstância judicial desfavorável. STJ, HC 141898/ SC, Min. Felix Fischer, 5ª Turma, Dje 01.02.2010.

STF

Habeas Corpus. 2. Nulidade. 3. Ausência de oportunidade à defesa para falar sobre documentos juntados pelos corréus. Inexistência. 4. Alegada falta de fundamentação idônea para a definição da pena-base. Ocorrência. A mera existência de inquéritos ou de ações penais em andamento não pode ser considerada como caracterizadora de maus antecedentes, sob pena de violar-se o princípio constitucional da não culpabilidade (CF, art. 5º, LVII). 5. Habeas corpus parcialmente deferido. STF - HC 102968 / RJ - Relator(a):  Min. GILMAR MENDES. Julgamento:  14/09/2010           

c) Falsa, porque Tício é reincidente também em relação ao crime de furto e não apenas ao crime de roubo, uma vez que o trânsito em julgado da sentença do crime de furto se deu no dia 31.03.2002, ou seja, anterior a condenação pela prática do crime de extorsão. Ressalve-se o que já foi externado na alternativa A: os maus antecedentes somente são configurados em relação às condenações anteriores com o trânsito em julgado e que não sirvam para efeito de reincidência.

d) Falsa, porque Tício terá a reincidência desnaturada em tendo sido decorrido prazo de 05 anos da data do cumprimento efetivo da pena ou de sua extinção e não da data da última condenação.

Questão 64 - Configura modalidade de peculato prevista no Código Penal

GABARITO OFICIAL - LETRA A

NOSSO GABARITO ? LETRA C

(QUESTÃO NO NOSSO ENTENDIMENTO CLARAMENTE PASSÍVEL DE ALTERAÇÃO DE GABARITO)

a) O crime de peculato eletrônico é definido em lei nos seguintes termos:

Art. 313-A. Inserir ou facilitar, o funcionário autorizado, a inserção de dados falsos, alterar ou excluir indevidamente dados corretos nos sistemas informatizados ou bancos de dados da Administração Pública com o fim de obter vantagem indevida para si ou para outrem ou para causar dano.

Dos termos normativos podemos perceber que se trata de crime de ação múltipla, onde o delito pode ser praticado pelo desempenho de duas condutas diferentes. A primeira conduta seria inserir ou facilitar, funcionário autorizado, a inserção de dados falsos. Neste caso não basta que seja feita a inserção de dados para que o crime esteja caracterizado. É elementar do tipo que tal inserção ou a facilitação da inserção seja feita por funcionário autorizado e que os dados sejam falsos. Trata-se, portanto de crime próprio, pois é indispensável ser a conduta desempenhada por funcionário autorizado a lidar com o sistema informatizado ou o banco de dados. O funcionário não autorizado ou o particular somente poderiam praticar tal conduta delituosa quando acompanhado de funcionário devidamente autorizado.

Neste momento já é possível identificar a uma falha da alternativa pois a mesma não indica quem está inserindo os dados falsos no sistema de informações da administração pública.

A segunda conduta caracterizadora do crime é a alteração ou exclusão de dados corretos contidos em sistemas informatizados ou banco de dados da administração pública. Perceba que mais uma vez temos duas elementares do tipo que merecem destaque: a alteração ou exclusão dos dados deve ser feita por funcionário autorizado e os dados devem ser corretos.

Temos então a segunda falha da alternativa: a mesma não indica se os dados alterados ou modificados são verdadeiros ou falsos.

Ainda podemos observar um terceiro equivoco da alternativa: as condutas definidas em lei devem objetivar vantagem indevida, para o funcionário autorizado ou para outrem, ou causar dano. A simples inserção de dados falsos, ou a alteração ou exclusão de dados corretos, sem que no contexto do dolo do agente almeje tais objetivos, não configura o crime em analise. Caso tal conduta seja praticada culposamente, por exemplo, não é possível a tipificação nos termos do art. 313-A do CP. No enunciado da alternativa não é informado se a conduta do agente é dolosa ou culposa, nem qual o objetivo pretendido.

b) Falsa, pois o peculato mediante erro de outrem presume, como o próprio nome do crime sugere, que o funcionário venha a apropriar-se de dinheiro ou qualquer utilidade que recebeu o exercício do cargo por erro, falha ou equívoco de terceiros.

c) VERDADEIRA O peculato-desvio, pode consistir no desvio de bens ou valores, pelo funcionário público, em benefício de terceiro. (Art. 312, caput do CP).

Vejamos os termos normativos do art. 312 Caput do CP:

Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio

A alternativa indica uma das formas de pratica de peculato desvio, sem fazer nenhuma referência de exclusão de demais condutas caracterizadoras do delito.

d) Falsa porque o peculato culposo consiste em o funcionário publico concorrer culposamente para o crime de outrem e não ele mesmo apropriar-se de bens ou valores, ainda que recebidos por erros de terceiros.