Terça, 10 de janeiro de 2012
Recentemente passei por uma experiência que considero muito rica em termos cognitivos, bem como passível de proporcionar lições interessantes para aplicação à preparação para concursos públicos.
Eu havia mudado de Vara do Trabalho e na nova Vara o colega titular estabeleceu um sistema de montagem de pautas de audiências, segundo o qual a marcação de uma nova audiência deveria observar uma codificação de cores. Assim, para cada tipo de audiência a ser marcada havia uma cor correspondente.
Já de imediato fiquei um pouco perdido e até assustado, pois eram quatro cores para quatro possibilidades de modalidades de audiência. E para cumprir com a regra, o colega havia disponibilizado aquelas canetas Bic de quatro cores (azul, vermelha, preta e verde).
O primeiro problema era me lembrar da necessidade de observar o sistema de cores. Sempre que ia marcar uma audiência na pauta, atividade não delegada à Secretária de Audiências ? até pela responsabilidade que deveria assumir, bem como pela relevância do ato e conseqüências de marcar uma audiência inadequadamente, era lembrado pela Secretária de Audiências de que deveria observar o sistema de cores.
O segundo problema era me lembrar das cores. Havia um papel com a descrição e explicação no monitor da Secretária de Audiências, ao qual ela recorria para me esclarecer a cor correspondente à situação processual e modalidade de audiência.
Passados alguns dias, não obstante o incômodo que me causava esta confusão, passei a me questionar: como eu, que tenho me dedicado há um bom tempo ao estudo da aprendizagem e dos fenômenos cognitivos, não conseguia lembrar de um simples sistema de codificação de cores, importante, útil e necessário à minha atividade profissional? Que contradição e incoerência, o Prof Rogerio Neiva, que se dedica ao estudo, à pesquisa e produção de conteúdo sobre técnicas de estudo, não conseguir se lembrar de um simples sistema de coloração? Passei a imaginar o que um advogado ou advogada que estivesse realizando audiência e presenciasse a minha confusão, sendo um candidato ou candidata a concursos públicos que acompanhasse o meu trabalho, poderia estar pensando diante daquela situação.
Daí decidi: era preciso tomar uma atitude e resolver o problema.
Assim, ao começar a refletir sobre o assunto, em menos de 10 minutos resolvi tudo!
E o que fiz?
Construí uma estratégia muito simples e eficaz, a partir da mobilização de uma série de premissas, conceitos e construções teóricas. E como foi esta técnica?
Estabeleci uma relação associativa relevante entre as cores e a modalidade de audiência.
O sistema funciona da seguinte forma:
Repare que a seqüência em que coloquei as modalidades de audiências nesta planilha já conta com um sentido lógico-evolutivo, o qual facilita a compreensão, envolvendo a dinâmica do fluxo do procedimento no Direito Processual do Trabalho.
Mas muito bem, o fato é que construí as estratégias associativas da seguinte forma:
- Verde ? Nova Inicial ou Nova Uma (adiada): a cor verde, para mim, lembra neutralidade. Lembrei que no caso de sistemas de negociação de ativos em leilões, como bolsa de valores e câmbio, o verde indica que não há variação no preço, o que corresponde à neutralidade. Se ocorrerá uma nova audiência una ou inicial, significa que nada ainda aconteceu no processo. E este novo ato processual será apenas uma repetição do primeiro, o qual não atingiu seu resultado;
- Vermelho ? Instrução: sinal vermelho, alerta vermelho! Agora será um ato que exigirá muito mais do Juiz, no qual os ânimos e tensões podem ser exteriorizados. Neste ato se tentará buscar a verdade e incidentes processuais, bem como desgastes, podem ocorrer. Aproveito para lembrar que esta audiência é marcada na forma do art. 849 da CLT ou art. 825 da CLT (não comparecimento da testemunha no rito ordinário e no sumaríssimo na forma do art. 852-H,§3º da CLT));
- Preto ? Encerramento da Instrução Processual: preto lembra fim de linha, ?dead line?! Agora acabou, o que tinha que ser produzido de prova já teria que ter sido produzido;
- Azul ? Julgamento: para o Juiz aqui está cumprida a sua missão, trabalho concluído, o que significa alívio! Após o julgamento, para o Juiz, está encerrado o seu trabalho, ou seja, fica tudo azul.
Pronto, problema resolvido. Não esqueço mais as cores das audiências.
Mas a grande questão que lhe interessa, de modo a promover a aplicação ao contexto da preparação para concursos, é o seguinte: o que está por trás disto e como utilizar!
Quanto ao sentido desta simples técnica, é possível mobilizar vários fundamentos e teorias da aprendizagem para a sua compreensão. Mas vou me limitar ao conceito relacionado ao modelo de aprendizagem mecânica e de significados.
Teoricamente, a aprendizagem mecânica é aquela que ocorre quando não há compreensão de sentido quanto ao objeto de conhecimento, correspondendo ao famoso decoreba. Já aaprendizagem de significados ocorre quanto compreendemos o sentido daquilo que nos apropriamos intelectualmente.
Partindo destas premissas, desenvolvi um terceiro conceito, o qual corresponde ao que denominei de aprendizagem relativamente de significados. Abordei este conceito no livro que escrevi sobre o tema da preparação para concursos públicos (Como se Preparar para Concursos com Alto Rendimento, Ed Método), bem como foi objeto da apresentação que realizei no IV Simpósio Internacional da Associação Brasileira de Psicopedagogia (clique aqui para ler Preparação para Concursos Tratada como Ciência).
Neste sentido, a situação que descrevi, numa primeira compreensão, se aplicaria exatamente ao terceiro conceito. A aprendizagem relativamente de significados envolve a situação em queusamos um conceito ou construção que tenha sentido para nós, associando à informação que pretendemos nos apropriar. Mas este sentido dado não é o sentido preciso, correto e específico do objeto de conhecimento. É o que ocorre no caso das técnicas mnemônicas.
Porém, após construir a estratégia mencionada e explicar na Vara como havia feito para memorizar as cores, descobri que as associações que fiz foi exatamente o que o autor do sistema havia pensado. E aí, no caso, surgiu um detalhe importante. É que na verdade, então, o que houve foi uma aprendizagem de significados pura, pois as associações que fiz correspondiam à realidade do conceito estudado.
Outro aspecto relevante é que por trás disto temos a aplicação da lógica associativa da memória, o que tem um sentido inclusive de natureza neurofisiológica.
Feitos estes esclarecimentos, a idéia é que você também pode construir estratégias como esta em relação a informações relevantes e passíveis de cobrança na prova. E considero isto importante principalmente em relação aos conceitos arbitrárias, as quais nos pegam nas provas. As informações arbitrárias são aquelas que não contam com um sentido lógico, como no caso dos prazos processuais e quóruns do processo legislativo (clique aqui para ler sobre os conceitos arbitrários e lógicos e como trabalhar nas provas de concurso).
Mas enfim, com todas as considerações, explicações e esclarecimentos apresentados, espero que a situação narrada possa ter algumas utilidade e aplicabilidade no seu processo de preparação para o concurso público.
E que a cor mais importante que prevaleça para você ao final seja o azul!