Carta Capital: "Corporativismo impede advogados de trabalhar sem cobrar"

Segunda, 6 de abril de 2015

Acabei de ler uma matéria não muito recente publicada na revista Carta Capital tratando sobre um eventual corporativismo da OAB em relação à advocacia Pro Bono.

O debate em torno deste tema é bem interessante. Confiram a matéria e depois alguma considerações minhas:

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Com a escassa oferta de atendimento jurídico sem custo, ter garantido o direito à defesa no Brasil é para os que podem pagar por um advogado. As exceções são os departamentos jurídicos das faculdades de Direito, a Defensoria Pública e os advogados dativos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o que impede que o País cumpra determinação assegurada pela Declaração Universal dos Direitos Humanos e na Constituição Federal de 1988: o acesso à Justiça.

A oposição da OAB é a maior responsável por esta situação. Os advogados que trabalham voluntariamente com a população pobre, por exemplo, correm o risco de ser punidos pela entidade de classe. O argumento da OAB é o de que a prática configura captação ilegal de clientela: caso o advogado preste serviços gratuitos ele poderia estar ?fidelizando? esta pessoa, que o contrataria novamente em uma ocasião futura, pagando os honorários. Por este mesmo princípio, para a Ordem, a prática também é considerada antiética.

A posição é o oposto do que a organização defendia à época de sua fundação, em 1930. Naquele tempo, a OAB tinha como princípio o atendimento jurídico de pessoas pobres, e aplicava sanções aos advogados que se negassem a fazê-lo.

Não existe nenhuma resolução da entidade sobre a atuação do advogado voluntário. As seccionais, entretanto, costumam se posicionar contra e ameaçam os advogados de punição no Tribunal de Ética e Disciplina (TED). A situação chamou atenção do Ministério Público Federal em São Paulo.

Motivado por um caso de Minas Gerais, o MPF-SP decidiu abrir uma investigação sobre a conduta da Ordem de proibir o trabalho voluntário para pessoas físicas. Em 22 de fevereiro de 2013 foi feita uma audiência pública para discutir o assunto e colher dados para um inquérito civil público para apurar tal proibição. O resultado foi uma recomendação à Ordem para que suspendesse a regra.

Em junho do mesmo ano, o presidente do Conselho federal da OAB, Marcos Vinicius Furtado Coelho, derrubou as resoluções de São Paulo e Alagoas que permitiam advocacia pro bono (gratuita) apenas para entidades do terceiro setor comprovadamente carentes ? a ação, em tese, ampliaria o acesso à advocacia voluntária. Montou ainda uma comissão especial composta por conselheiros para escrever uma nova resolução sobre o tema. A nova regra deveria ser apresentada no plenário do Conselho Federal ainda neste ano.

De acordo com Marcos Fuchs, diretor do Instituto Pro Bono, entidade que defende a liberação da atuação voluntária, a nova norma deve abranger entidades e pessoas físicas. ?A resolução deverá ser pontual, simples e sem qualquer tipo de restrição para todo o País?.

O Estado tem grande responsabilidade nesta questão, já que deveria garantir acesso universal à Justiça. A defensoria pública, porém, só está presente em 754 das 2.680 comarcas do País. O déficit total do Brasil é de 10.578 defensores públicos. E os critérios para atendimento variam em cada estado. Na situação atual, caso fosse humanamente possível, cada defensor seria responsável pelo atendimento de 29 mil pessoas em média.

De acordo com a professora do programa de mestrado em Direitos Fundamentais da Unifieo-SP, a advogada Thaís Novaes Cavalcanti, o direito de acesso à Justiça está garantido na legislação nacional e internacional. "O trabalho é proteger esse direito", diz. A professora considera a interpretação da OAB equivocada ao vetar o trabalho voluntário. Para Cavalcanti, é necessário incentivar o acesso também a outros mecanismos de Justiça, como conciliação, mediação e processos coletivos. Segundo a professora, até mesmo as ações de controle de constitucionalidade (Adin, ADO, ADPF, ADC) no Supremo Tribunal Federal poderiam ser permitidas para o cidadão ? hoje elas são restritas a alguns setores como entidades de representação civil e partidos políticos.

Atuações históricas

A advocacia pro bono, sem a cobrança de honorários, é histórica no Brasil. Entre 1830 e 1882, Luiz Gama, menino que foi vendido como escravo, foi libertado, formou-se advogado e defendeu sem cobrar libertou mais de 500 escravos. Poucos anos depois, Ruy Barbosa também advogou em favor de escravos e, na Revolta da Chibata, para os marinheiros, em sua maioria negros.

Durante a ditadura militar (1964-1985), dezenas de advogados colaboraram para libertar presos políticos.

Também foi voluntário o trabalho de muitos advogados nos protestos de junho de 2013. Apenas em um dia, em São Paulo, mais de 230 pessoas foram detidas e encaminhadas paras delegacias. A maior parte liberados em menos de 24 horas, muitos graças à atuação voluntária de advogados.

A situação não é diferente em movimentos sociais, nos quais a atuação de advogados voluntários é praticamente a regra.

O defensor público Gustavo Augusto Soares Reis explica que o Direito escrito na lei, por si só, não significa a efetivação do Direito. Para ele, é necessário que o sistema funcione igualmente para todos. Reis considera errada a regra que inviabiliza o atendimento gratuito para a população pobre. ?Não existe a atuação pro bono para a população sem o caráter de transformação social?, diz.

Fonte: Carta Capital

Aqui nós temos dois pontos bem distintos que precisam ser delimitados. O primeiro é a necessidade de assegurar a todo o jurisdicionado o acesso a um advogado. É um direito inalienável!

O outro lado é a precarização da advocacia, com a explosão do número de profissionais Brasil afora e, como consequência, o achatamento de salários e honorários. A profissão está precarizada!

Como conciliar estes dois extremos?

Uma verdade: muitos advogados estão usando SIM a advocacia Pro Bono para fazer captação de clientela. Atuar gratuitamente em causas é um negócio bonito e, em certos assuntos  e momentos históricos, importante. Mas nos dias de hoje, de fato, este tipo de advocacia tem se transformado em trampolim para advogados assegurarem o recebimento do "vil metal" ao final do mês.

Advogar de graça é bonito, mas não garante o ganha-pão, EXCETO, se ele for utilizado para se assegurar uma base de clientela.

Neste ponto se estabelece uma concorrência desleal com os advogados que seguem o Código de Ética de forma escorreita.

Neste prisma, a OAB está correta em proteger quem é fiel ao Código.

Há de se considerar também que o mundo de 1930 é BEM diferente do atual. Quase um século de diferença muda bem uma realidade, e isso impacta também no exercício da profissão.

Não é um tema fácil de ser equacionado, mas não dá para jogar de plano pedras na OAB. A advocacia Pro Bono precisa ser repensada na forma do seu exercício, com a criação de critérios mais atuais sobre a identificação de quem efetivamente precisa dela, sem que isso acabe redundando em captação de clientela.