Cai nos EUA interesse de estudantes por curso de Direito. No Brasil, sobe.

Quinta, 7 de fevereiro de 2013

Até agora, apenas 30 mil estudantes enviaram pedidos de matrículas às faculdades de Direito dos Estados Unidos, para o próximo ano letivo. Houve uma queda de 20% em comparação com o mesmo período do ano passado. E de 38%, em relação a 2010. O número de pedidos poderá chegar a pouco mais de 50 mil, à época das matrículas ? metade do número de requerimentos em 2004. Dos 50 mil pedidos, apenas 38 mil deverão efetivar a matrícula, tornando 2013 o pior ano das faculdades de Direito em 30 anos, segundo o jornal The New York Times.

Pelo menos dez das 212 faculdades de Direito dos EUA vão fechar as portas nos próximos dez anos e a maioria terá de enxugar seus quadros docentes e administrativos, desde agora, afirma a revista Forbes. Haverá demissões em massa nas faculdades de Direito, já a partir do próximo ano letivo (que se inicia em setembro), prevê o Times.

"Aliás, algumas escolas, como a Faculdade de Direito de Vermont, já iniciaram o processo de demissões", diz o jornal. De dois terços à metade das Faculdades terão de reduzir o tamanho das classes e fazer cortes de professores e funcionários, disse Brian Leiter, da Faculdade de Direito da Universidade de Chicago ao jornal. Algumas faculdades estão aceitando estudantes que, antes, considerariam desqualificados, porque se saíram mal no curso secundário.

O crescente desinteresse dos estudantes no curso de Direito tem duas razões básicas: os altos custos do curso e as altas taxas de desemprego dos bacharéis.

O custo total do curso de direito, em média, é calculado em US$ 125 mil dólares. Em 2001, a média era de US$ 70 mil. Um curso em uma faculdade de Direito de Nova York pode custar, entre mensalidades, moradia e alimentação, até US$ 80 mil por ano.

A despesa é garantida, o emprego, não. De acordo com um estudo recente da American Bar Association (ABA), a Ordem dos advogados dos EUA, 55% dos bacharéis formados em 2011 não encontraram emprego na área do Direito em um período de nove meses, após a formatura. Empregos no governo, em organizações não governamentais e outras entidades não são boas opções, porque os salários não são compatíveis com a dívida que assumiram. Alguns nem isso conseguem. Acabam arrumando qualquer emprego, até no McDonald?s, para sobreviver.

"Há 30 anos, um curso de Direito era uma garantia de escalada social para estudantes que nasciam em famílias pobres ou apenas remediadas. Hoje, o elevador das faculdades de Direito está quebrado", disse ao jornal o professor da Faculdade de Direito da Universidade de Indiana William Henderson.

Não há emprego porque as bancas, em tempos de crise econômica, estão enxugando seus quadros e não contratando. Mais que isso, estão tentando reduzir custos de uma maneira inusitada, há alguns anos: terceirizando serviços burocráticos da advocacia, como o de pesquisa de legislação, jurisprudência, casos, etc., para estados em que a mão-de-obra é mais barata ou para outros países, pelo mesmo motivo.

Antes, esses serviços eram prestados por bacharéis americanos, enquanto aprendiam a atuar como advogados. "Agora, com a Internet e telecomunicações baratas, ficou fácil para as firmas de advocacia americanas contratar mão-de-obra barata em países como a Índia para fazer o serviço", diz a revista Forbes. A ValeuNortes, uma empresa indiana de pesquisa, informou que a quantidade de firmas no país que oferecem serviços jurídicos a bancas americanas triplicou nos últimos anos. "Já são 140 e devem gerar US$ 1,1 bilhão em receitas no próximo ano".

As faculdades de Direito vêm discutindo, nos últimos dois ou três anos, a necessidade de reduzir os custos para os estudantes. Mas, nenhuma decisão foi tomada até agora. Antes, elas querem descobrir formas de reduzir os próprios custos, para manter suas margens de lucro intactas.

Para onde estão indo os estudantes que não apresentaram pedidos de matrícula às faculdades de Direito? Alguns para o mercado de trabalho, muitos para outras faculdades, com destaque para a área de Economia e Administração. Nessas escolas, o volume de pedidos de matrícula por estudantes americanos cresceu 0,8% em 2011. E os pedidos de matrícula por alunos estrangeiros cresceram 13%. As escolas de negócios levam essa vantagem sobre as faculdades de Direito: os estrangeiros podem estudar negócios nos EUA e praticarem o que aprenderam em seus países de origem. Obviamente, não têm interesse em fazer curso de Direito nos EUA, para praticar em seus países.

As faculdades que estão se saindo "menos mal", no que se refere ao desinteresse dos estudantes em cursos de Direito, são as poucas escolas que oferecem cursos práticos de advocacia aos alunos, em vez de teoria. Um exemplo é a Faculdade de Direito Northeastern de Boston que, por preparar os estudantes para exercer a profissão assim que caiam no mercado, está sofrendo menos que as outras em razão do desinteresse dos estudantes americanos.

Fonte: Conjur

É bem curioso comparar a realidade da educação superior jurídica nos Estados Unidos com a situação do Brasil. Enquanto lá a crise econômica afugente os estudantes, aqui a expansão na para.

Segundo recentes dados do INEP, o Brasil tem 6.739.689 estudantes matriculados em 30.420 cursos de Graduação, dos quais 1.032.936 estão nas instituições públicas federais. Em 2011, mais de 1 milhão de alunos concluíram o ensino superior, sendo que destes 111.157 estavam nas federais. Na Pós-Graduação, o país tem 187.760 alunos. O total de funções docentes em exercício chega a 357.418.

Os números demonstram que, no período 2010-2011, a matrícula em cursos de Graduação nas universidades cresceu 7,9% na rede pública e 4,8% na rede privada, o que configura uma média de crescimento de 5,6% nas matrículas para o ensino superior

Vamos ver como foram os dados dos cursos jurídicos no ano de 2011?

São 847 instituições que oferecem o curso de Direito em 1.121 cursos espalhados pelo Brasil, sendo a maioria de instituições privadas de ensino.

O total de matrículas em 2011 em cursos de graduação foi de 6.739.689 estudantes, e, destes, 723.044 escolheram o curso de Direito.

Dos 1.016.713 concluintes da graduação em 2011, 95.008 foram de bacharéis em Direito.

A escolha pelo curso de Direito está atrás somente dos cursos de Administração. E isso contanto com o medo imposto pelo Exame de Ordem.

Praticamente 1 entre 10 concluintes de cursos de graduação se formam em Direito (9,34% do total de concluintes). Isso mostra que os cursos jurídicos exercem forte fascínio sobre os estudantes do ensino médio, e muito provavelmente tal predileção continuará intacta, apesar de todos os problemas, repito, causados pelo Exame da OAB.

Na verdade, tudo o que presenciamos fica restrito apenas a um universo bem restrito de pessoas: os estudantes de Direito, os bacharéis e uma parcela pequena da comunidade jurídica. Os dramas da prova não chegam aos estudantes, e os altos percentuais de reprovação, para quem está ingressando na faculdade, não passam de distantes rumores.

Com o gradativo aumento do número de universitários (dentro do contexto geral), e óbvio impacto nos cursos de Direito, não está errado em projetar uma hiper população de operadores do Direito para a próxima década, e isso levando em conta que já estamos vivendo um quadro de super população de operadores jurídicos.

Lá nos States, contração, aqui, expansão, e sem um horizonte de limite à vista.

O curioso é que o mercado para os jovens advogados está muito complicado aqui também. A remuneração dos jovens advogados é um tema que vem ganhando relevância dentro da OAB. Isso em razão da péssima remuneração dos jovens advogados.

E isso é decorrente, exatamente, de um problema estrutural na educação brasileira. No início da década de 90 foi decidido que o ensino superior passaria a ser majoritariamente conduzido pela iniciativa privada. Tal movimento teria consequências previsíveis e foi antecipado pela OAB à época. Tanto é que o projeto da atual Lei 8.906/94 foi apresentado em 1992 já com a previsão do Exame de Ordem nos atuais moldes.

Em 1991 o Brasil tinha 165 faculdades de Direito, hoje são 1.240. Como falar em melhor remuneração se o sistema está saturado e em franca expansão? 

A saturação é tamanha que existe hoje um Projeto de Lei (2774/11) em tramitação na Câmara dos Deputados, que trata da regulamentação da profissão de pedreiro e fixa o piso salarial da profissão em R$ 1,5 mil. Esse valor é igual ao piso salarial sancionado em fevereiro de 2012 pelo Governo do Distrito Federal para a classe dos advogados.

O investimento de tempo, dinheiro e intelecto para se formar um advogado é muito maior do que para formar um pedreiro. Soa estranho que profissionais cuja discrepância de investimento educacional ao final resulte em uma precificação, determinada pelo mercado, que seja muito assemelhada.

E aqui faço um parênteses: quando se legisla e se impõe um teto salarial, estamos falando de um mercado imperfeito, que necessita de uma regulamentação para que possa funcionar com um mínimo de regularidade, adequando os interesses antagônicos de seus atores, empregadores e empregados, e os desequilíbrios resultantes dos fatores do mercado considerados como um todo.

O salário do jovem advogado, no Brasil, varia entre R$ 900,00 a 1.300,00 na média. Temos exceções, mas a lógica é essa. Aqui no Distrito Federal, por convenção coletiva, os pedreiros tem assegurado um salário inicial de aproximadamente R$ 1.000,00. Curiosamente, as construtoras pagam bem mais do que isso, pois o mercado da construção civil passa por uma crise de mão-de-obra em função do aquecimento da demanda e explosão dos preços.

O salário necessariamente sobe. É a simples lógica da oferta e da procura. O piso dos advogados criado no DF e em outras poucas seccionais decorre do imenso número de jovens advogados, bem acima do número de empregos oferecidos pelos escritórios, jogando o valor dos salários para baixo e obrigando a intervenção estatal. Exatamente o contrário do que ocorre no universo da construção civil.

Em suma: há uma gravíssima distorção no sistema brasileiro, reflexo talvez de uma falta de reflexão dos estudantes e, certamente, da ganância do empresariado.

Na última década o Brasil experimentou uma grande mobilidade social, e o acesso à educação superior se tornou uma espécie de fetiche para as classes emergentes. Ter uma formação, qualquer formação, é um objetivo, e como os processos seletivos foram mediocrizados, o sonho de entrar em uma faculdade de Direito (e ser um doutor) acabou por gerar tamanha oferta e procura das faculdades de Direito.

Como os Estados Unidos são um mercado mais maduro, e em crise, o movimento é oposto.

De toda forma, o preço pago aqui é o da exclusão patrocinada, ao fim, pelo Exame de Ordem. Reflexo do completo descontrole na oferta de vagas na graduação.

E a tendência é do quadro piorar e muito.

Vem aí a graduação à distância. Integralmente à distância.