Quinta, 6 de agosto de 2020
Um cachorro da raça Shih tzu chamado Boss está no centro de uma discussão jurídica inédita no Rio Grande do Sul: está pleiteando na Justiça o direito de ser autor de uma ação de reparação de danos materiais e morais contra uma pet shop.
O cão alega ter sofrido prejuízos físicos e psicológicos decorrentes de mau atendimento em uma sessão de banho. Enquanto estava sob os cuidados da pet, teria sofrido uma fratura no maxilar, que o fez precisar de uma cirurgia para colocar uma placa metálica com parafusos.
Antes mesmo de discutir seu direito a ressarcimento junto ao estabelecimento comercial, o desafio do animal é ser aceito como parte no processo, com base no entendimento de que animais de estimação são sujeitos de direitos.
A ação tramita na Vara Cível do Foro Regional da Tristeza, em Porto Alegre. Apresentado na petição do advogado Rogério Santos Rammê como "autor não-humano", o cãozinho de 11 anos pode se tornar o primeiro animal a se beneficiar do que consta em lei estadual aprovada em janeiro no Estado.
A lei define que animais domésticos de estimação como sujeitos de direitos despersonificados, devendo gozar e obter tutela jurisdicional em caso de violação, vedado o seu tratamento como coisa. É com base nesta norma que o advogado ingressou com uma ação tendo Boss e seus donos como autores. O casal tutor do cachorro consta como representante legal do animal perante ao Judiciário, já que ele não tem capacidade civil e processual para ingressar com a demanda.
O advogado, especialista em direito ambiental e animal, explicou porque a ação teve o animal como autor e não apenas seus tutores:
"Sendo parte no processo todo, o resultado positivo da demanda será revertido em proveito do próprio animal. A indenização não vai para o tutor, para uma ONG ou para um fundo qualquer. Vai para o animal, para custear seu tratamento, sua subsistência e a reparação de seus direitos fundamentais violados. Ela será, claro, administrada pelo representante do animal, mas este terá que prestar contas à Justiça da utilização da renda em prol exclusivamente da vítima não-humana.
Rammê alerta ainda que não é correto usar o termo "dono", pois isso coloca o animal na condição de coisa ou bem, o que é vedado pela lei. O termo adequado é tutor.
Na ação, o advogado pede indenização da pet para Boss por danos físicos ? sofreu a fratura e, em decorrência da cirurgia, ficou com um defeito no maxilar ? e morais. Também há pedido pelos danos enfrentados pelo casal, abalado com o sofrimento do cão de estimação e com gastos extras para o atendimento médico do animal. Para amparar a tese de que animais são sujeitos de direitos, o advogado discorreu na petição sobre normas internacionais e constitucionais.
"Sendo parte no processo todo, o resultado positivo da demanda será revertido em proveito do próprio animal. Vai para custear seu tratamento, sua subsistência e a reparação de seus direitos fundamentais violados", afirma o advogado.
O pedido de reconhecimento de Boss como autor do processo foi negado pela Justiça, que determinou a exclusão do cachorro do polo ativo da ação. O advogado agora recorreda decisão junto ao Tribunal de Justiça.
"Negar a capacidade de ser parte a quem tem direitos subjetivos legalmente assegurados significa esvaziar completamente a eficácia desses direitos. Cabe ao Poder Judiciário acompanhar esses novos movimentos emancipatórios da sociedade, reconhecendo e garantindo a possibilidade de tutela jurisdicional para a vindicação desses novos direitos, sem discriminações de qualquer natureza, inclusiva a que possa se pautar no pertencimento à espécie humana. Essa é sua missão constitucional", diz trecho do pedido feito pelo advogado.
Confiram o que diz o artigo 216 da Lei Estadual nº 15.434/2020:
Art 216: É instituído regime jurídico especial para os animais domésticos de estimação e reconhecida a sua natureza biológica e emocional como seres sencientes, capazes de sentir sensações e sentimentos de forma consciente.
Parágrafo único. Os animais domésticos de estimação, que não sejam utilizados em atividades agropecuárias e de manifestações culturais reconhecidas em lei como patrimônio cultural do Estado, possuem natureza jurídica "sui generis" e são sujeitos de direitos despersonificados, devendo gozar e obter tutela jurisdicional em caso de violação, vedado o seu tratamento como coisa.
Cm informações do site gauchazh