Segunda, 30 de junho de 2014
Vamos lá! Qual a correlação entre o jogo do Brasil contra o Chile e o Exame de Ordem?
"Nenhuma", diria um leitor mais apressado. E, de fato, é bem difícil achar pontos de contato entre uma competição esportiva e uma prova de proficiência.
Mas sim, há um ponto de convergência entre universos tão distintos: o controle emocional.
Exatamente após a vitória os jogadores, quase todos, caíram em um forte choro, resultado evidentemente de toda a pressão que eles sofrem para ganhar a competição. Pressão esta derivada do fato da copa estar sendo jogada no Brasil:
A emocionante vitória brasileira na tarde deste sábado, no Mineirão, contra o Chile, nos pênaltis, teve choro do início ao fim. Depois da prorrogação, enquanto Luiz Felipe Scolari escolhia os batedores da seleção brasileira, o goleiro Julio César já estava em lágrimas, deixando clara toda a tensão do duelo válido pelas oitavas de final.
Neymar, o último a cobrar, caiu no choro assim que o juiz apitou o fim do confronto. Apagado na maior parte dos 120 minutos, o camisa 10 do Brasil chegou até a trocar de chuteira entre o final do tempo normal e a prorrogação, deixando de lado a sua nova dourada por sua velha laranja. Antes dele, Willian já tinha deixado escapar sua angústia, depois de errar o segundo pênalti e deixar o clima ainda mais preocupante.
Quem mais chorou mesmo foi David Luiz. O zagueiro chegou a ser dúvida para a decisão em Belo Horizonte, depois de sentir dor nas costas nos últimos dias, mas foi para o jogo, e até marcou o único gol para a seleção, ainda na primeira etapa do confronto. Depois das cobranças, o jogador era o mais emocionado, abrançando todos os companheiros e fez questão de ir perto das arquibancadas, agradecer o apoio dos mais de 50 mil brasileiros.
Fonte: Esportes MSN
E foi mesmo muito emocionante.
Agora o detalhe interessante: perceberam como o desempenho do Brasil ficou AQUÉM do normal, de como a seleção não jogou bem?
Vejam uma breve sentença do maior jornalista esportivo da atualidade, Juca Kfouri:
"Felipão, ou chama alguém para cuidar mais de perto da cabeça do time e bota o Maicon para tentar melhorar a lateral-direita ou vai precisar de mais sorte ainda."
Para mim, e para muitos, o Brasil não rendeu o que podia por estar muito, mas muito nervoso no jogo e na competição, com medo de errar e medo de perder.
E aqui verificamos o ponto de convergência entre o Exame de Ordem e o atual estágio emocional da seleção: medo de perder - medo de não passar na prova.
Medo derivado da pressão, da OBRIGAÇÃO pelo resultado. Aqui todos sofrem em função da obrigação, e os efeitos no desempenho -e este é o ponto central - são evidentes.
A pressão, e o medo, como fatores que prejudicam o desempenho.
Isso vale para jogadores da seleção, examinandos e quaisquer outras pessoas que sofrem pressões para apresentar resultados.
Na OAB, por exemplo, temos o estudo implementado pela Drª Tânia Loricchio, do Departamento de Psicobiologia da Unidade de Medicina Comportamental da UNIFESP, sobre os índices de ansiedade e stress pré-Exame de Ordem.
Foram analisados 237 bacharéis em Direito inscritos em cursos preparatórios em diversas regiões do estado de São Paulo, com idade entre 21 e 74 anos (32,9 anos, em média), sendo 46% homens e 54% mulheres. Destes, 80% já haviam prestado o Exame anteriormente, sendo que alguns em mais de uma oportunidade.
Desse universo de candidatos analisados, 70% apresentaram sintomas de stress, sendo que 41% com níveis de stress mais severos.
Ou seja: é cientificamente provada a incidência severa de stress e a ansiedade entre os candidatos, e isso é resultado principalmente pelo sentimento de OBRIGAÇÃO em ser aprovado.
É um verdadeiro clichê falar que quem fica 5 anos na faculdade tem a obrigação em ser aprovado no Exame de Ordem. Isso existe e isto atrapalha
A pressão pela aprovação, seja interna, seja oriunda de fatores externos, como amigos, família ou necessidades profissionais, atrapalham o desempenho de numerosos candidatos - posso dizer dezenas de milhares - podendo facilmente ser incluído como uma das causas de reprovação, seja principal ou secundária.
Existem 3 causas principais que atrapalham os examinandos. Vamos vê-las:
1 - Cobrança externa (família, amigos, emprego e sociedade)
Talvez este seja o principal fator a abalar o emocional de qualquer um que faça a prova. A cobrança do meio social.
Pensem na seleção e na cobrança exercida sobre os jogadores por todos nós! O Brasil TEM de ganhar!
Para nós é fácil cobrar; para eles, é difícil aguentar...
Uma vez recebi um e-mail de uma candidata reprovada, já casada e mãe de família, cujo o marido se disse decepcionado com ela em razão da reprovação. Foi um mail muito denso, onde ela descreveu suas angústias diante desse quadro.
Noutro, uma candidata, também casada e mãe de família, relatou como o Exame de Ordem destruiu sua paixão pelo Direito. Ela já fez o Exame 8 vezes e à época sentia-se frustrada, envergonhada diante dos filhos, do marido, tendo inclusive se afastar de alguns por medo de ser questionada.
Dois exemplos de e-mails que recebo. Situações comuns a inúmeros candidatos e exemplos do potencial destruidor que a cobrança familiar pode produzir.
E quantos estagiários, prontos para serem contratados pelo escritório onde trabalham, sucumbem ante o temor de não passar na prova e perder a oportunidade de emprego?
Lembro-me uma vez em que estava em um restaurante, não muito cheio no horário, e ouvi a conversa entre 3 advogados, onde uma comentava exatamente a reprovação do estagiário pela 2ª vez:
"Reprovar na 1ª vez não tem problema, na 2ª já não é legal e na 3ª ele não ficará mais conosco".
Quantos donos de escritório não pensam assim?
E como somos criaturas que desenvolvem em torno de nós mesmos relações complexas com a sociedade, é muitíssimo difícil criar uma barreira emocional para nos tornar imunes às cobranças.
É muito difícil. Para vocês e para os jogadores da seleção.
2 - Cobrança interna do próprio candidato
A cobrança pessoal é tão ou mais forte do que a cobrança externa. O "eu" do candidato, seus sonhos e projetos em ação para sabotar a paz de espírito.
Lembro-me quando foi a minha vez de fazer a prova. Ser aprovado era uma verdadeira paranóia.
Curiosamente, não sofri nenhuma pressão externa, mas a interna foi terrível.
Estudar, estudar e estudar, sem pensar em rigorosamente mais nada. Essa foi a pressão que criei para mim mesmo, só quebrada no dia em que passei na 1ª fase da prova, quando sai com os colegas e "bebemoramos" juntos. Afora isso, uma pressão constante pelo resultado positivo.
Não sei se é um defeito em algum parafuso da minha cabeça, mas a sucessão de pensamentos relacionados com o Exame na época poderiam tranquilamente ser classificados como obsessivos.
E isso não é nada bom.
Infelizmente esse tipo de pensamento e preocupação recorrentes são de difícil controle, e por certo é experimentado por muito e muitos candidatos. Só um monge budista, com um bom tempo de prática, consegue controlar pensamentos recorrentes dessa natureza.
Não é o meu caso, e provavelmente também não é o de vocês.
3 - Medo
O medo é um processo interno, pessoal. E o medo tem correlação com o sentimento de segurança.Uma pessoa insegura pode criar um estado mental altamente prejudicial, nocivo a si mesmo.
E sim, a perspectiva da prova também gera medo: o medo do fracasso.
E o medo gera a tão falada ansiedade e o indesejado stress, objetos do estudo da Drª Tânia Loricchio.
E como vencer o medo, a ansiedade e o stress?
Aqui volto a mencionar o Juca Kfouri, que escreveu hoje sobre como o Brasil deve ser portar, e que no fundo também serve para os examinandos. Simples e direto:
O Uruguai voltou para casa e não assombra mais.
Mas há quem diga que a possibilidade de a Seleção Brasileira não ganhar a segunda Copa do Mundo no Brasil é o que assombra o time nacional.
Felipão parece estar entre os adeptos de tal teoria, assim como o capitão do time, Thiago Silva e o goleiro Júlio César, agravada pela frase do presidente da CBF que prevê o inferno caso o hexacampeonato não venha.
É hora de pingar os is e fazer uma singela lembrança agora que o time passou para as quartas de final, sabem as traves e Júlio César como: o melhor e único modo de caçar fantasmas no futebol é jogando bola.
Como fez a Holanda no segundo tempo diante do ?monstro? mexicano em Fortaleza, depois de, por incúria ou imprudência, ter se limitado a ver o time norte-americano jogar sob o sol inclemente no primeiro tempo.
Pois se a Holanda terminasse o jogo eliminada como esteve a cinco minutos de acontecer, o discurso do time e da comissão técnica brasileiros seria o de valorizar o empate obtido com os astecas na mesma Fortaleza.
Mas Sneidjer e Robben trataram de enterrar a assombração simplesmente ao jogar o futebol que sabem jogar.
A receita brasileira deve ser a mesma e para isso será preciso ter coragem de mudar o que não está funcionando, algo tão visível como o Dedo de Deus visto da Granja Comary em dias de sol.
Que o bom futebol da Colômbia liderado pelo excelente James Rodríguez não assuste a Seleção e seja enfrentado com a audácia de quem busca jogar bem e pelo peso da camisa pentacampeã mundial.
É só, e é tudo, que será preciso fazer para Neymar e companhia voltarem a Belo Horizonte e disputar a semifinal.
Porque, daí em diante, não haverá mais fantasmas, apenas ótimos adversários que, caso vençam o Brasil, não significarão vergonha alguma como seria, ou será, a eliminação antes de ficar entre os quatro finalistas.
Brasil e Colômbia se enfrentaram nove vezes no país e tudo que os colombianos conseguiram foram três empates, dois deles, é verdade, nos dois últimos encontros.
A expectativa é de jogo duríssimo, tomara de alta qualidade e sem medo de ser feliz.
O Juca resumiu tudo com clareza: ENFRENTE seus medos! Não em mistério nenhum: quem sofre por medo deve encará-lo, e, mais do que isso, ter a consciência de que tem POTENCIAL para resolver o problema. Não adianta nada se acovardar diante de uma perspectiva negativa, fruto da própria mente de quem está enfrentando o desafio. Pode ser difícil, é claro, mas não há alternativa para vencer se o problema não for enfrentado de frente, com a cara e a coragem. "Simples" assim! Estamos próximos da prova, daqui 34 dias, e a pressão só tende a aumentar. Mas só aumentará se vocês permitirem isso. O grande ponto é: façam o melhor de vocês na hora da verdade e ACREDITEM no potencial de cada um, sem medo e sem temores de qualquer espécie. Reprovar no Exame não é nenhuma vergonha, mas não dar tudo de si quando isto é possível...bem, isso no mínimo é um grande vacilo. Por que enfrentar um desafio a 50% quando podemos dar 100% de nós nele? Essa é a lógica. E isso funciona. Contra a Colômbia algo me diz que o Brasil vai entrar mordido em campo e vai ganhar fazendo bonito. E quanto a vocês, tenho a CERTEZA de que ir mordido para a prova fará toda a diferença.