Segunda, 29 de novembro de 2010
O jornal Folha de São Paulo, em sua edição de 10 de novembro do corrente, publicou matéria destacando o desempenho do curso de Odontologia da Universidade Federal de Sergipe, cuja última avaliação disponível feita através do Exame Nacional de Cursos (ENADE) resultou no conceito 5, o maior em uma escala que começa em um. Na mesma matéria se destaca outros cursos que obtiveram boas notas e se chama a atenção para alguns cursos que tiveram desempenho ruim. Declarei à jornalista responsável pela reportagem que a principal causa do mau conceito obtido por alguns de nossos cursos se deve a adesão de parte de nossos estudantes a campanhas de boicote ao processo avaliativo oficial.
Toda vez que forneço tal explicação, seja para jornalistas, seja para autoridades educacionais ou mesmo para pessoas comuns, sinto no interlocutor um ar de desconfiança. Não seria esta uma explicação de perdedor? Não estaríamos escamoteando falhas graves na qualidade dos nossos cursos, sob o pretexto que os estudantes boicotam o exame?
De fato, é razoável que nossos interlocutores desconfiem da explicação dada, visto que o Exame Nacional de Cursos, sucessor do chamado Provão, é realizado há mais de uma década e as cenas de protestos estudantis quanto à sua aplicação desapareceram da pauta da imprensa nacional ou local. Por outro lado, se efetivamente os nossos estudantes estão boicotando o exame, o cidadão comum pode supor que esta é uma forma cômoda de fugir da exposição de uma indesejada fragilidade, pairando uma indissolúvel dúvida: os resultados são ruins porque os estudantes boicotam o exame ou os estudantes boicotam o exame para tentar deslegitimar um processo que evidenciaria a fraqueza de sua formação?
O Exame Nacional de Cursos realizado em 2009, cujos resultados foram divulgados recentemente forneceram, especialmente para o caso do curso de Direito, uma oportunidade única para a precisa identificação da causa principal dos resultados ruins que alguns dos nossos cursos têm óbito no citado exame.
Este curso teve no decorrer dos anos resultados díspares. Inicialmente, o Provão foi recebido com desconfiança e propostas de boicotes e o curso de direito obteve o conceito C numa escala ascendente de E até A, no ano seguinte obteve nota máxima (A) intercalado por um B em 2000 e seguido de uma sequência de três notas máximas. Em 2006, com a reformulação do Provão, transformado em ENADE, o conceito do curso de Direito foi 3, numa escala ascendente de 1 a 5 e, finalmente, em 2009 o curso obteve o conceito 2.
Nos últimos anos se consolidou uma forma alternativa de avaliação da qualidade dos cursos de direito, o exame nacional organizado pela Ordem dos Advogados do Brasil, obrigatório para o ingresso nesse organismo profissional. O curso de Direito da Universidade Federal de Sergipe destacou-se entre os melhores do País de acordo com os resultados do citado exame, sendo motivo de orgulho para a Universidade, para os profissionais da área nela formados e para os sergipanos de uma maneira geral.
Como dissemos, este exame obrigatório para o ingresso na Ordem dos Advogados do Brasil e, portanto, para o exercício profissional, tem atestado a excelência da formação dos nossos estudantes do curso de Direito. Certamente todos os nossos estudantes, da mesma forma que os demais candidatos, respondem as provas com o maior desvelo possível, visto que é o futuro exercício da profissão que está em jogo.
O mesmo empenho, a mesma dedicação, a mesma seriedade não é requerida ou entendida como necessária para as respostas do Exame Nacional de Cursos, também de caráter obrigatório para ingressantes e concludentes cujos cursos são objeto de avaliação em determinado ano, visto que o resultado individual não constará do histórico escolar do formando, sendo divulgado apenas o conceito do curso, resultado da média dos resultados dos alunos matriculados em cada curso.
Adicionalmente, de forma recorrente algumas tendências do movimento estudantil advogam fortemente o boicote às provas, alegando desde razões ideológicas mais gerais contra o processo de avaliação que ranqueia cursos e pessoas, passando por críticas às deficiências de um processo avaliativo concentrado em uma prova, até críticas à estrutura e funcionamento dos cursos.
Em determinadas situações, não encontrando resistências no corpo docente, especialmente nos gestores dos cursos, e contando com a complacência dos estudantes que não percebem imediatamente qualquer interesse pessoal ou institucional contrariado, o apelo pelo boicote, pelo preenchimento displicente da prova, se espalha como fogo no mato seco atingindo mesmo cursos, cujos alunos indubitavelmente teriam condições de obtenção de resultado excelente no Exame Nacional de Cursos.
Este foi o caso do curso de Direito da Universidade Federal de Sergipe, em 2009. Ao tempo que era estrelado pela Ordem dos Advogados do Brasil com um selo de qualidade, fruto do esforço intelectual de formação dos nossos egressos, simultaneamente esses mesmos estudantes receberam o apelo para um boicote ao ENADE, resultando no conceito 2, numa escala que vai até 5, equivalendo, portanto, a reprovação do curso.
Para outros cursos que não têm um exame sucedâneo de abrangência e credibilidade nacional, a exemplo do exame da OAB para os cursos de Direito, resta deixar a sociedade na dúvida: o resultado foi ruim porque os alunos boicotaram, ou os alunos boicotaram para esconder sua fraqueza?
Antes da realização das provas do Exame Nacional de Cursos, referente ao ano de 2010, enviamos a todos os inscritos uma mensagem acerca da importância do exame para o estudante e para a instituição, cujo foco era: valorize o seu diploma. Ainda não podemos saber o efeito sobre a disposição dos estudantes em responder com comprometimento equivalente ao desprendido em certames que envolvem seus interesses imediatos, mas certamente não desistiremos de tentar persuadir nossos estudantes da incoerência que cometem com essa atitude discrepante.
Texto: Josué Modesto dos Passos Subrinho (Reitor da Universidade Federal de Sergipe - UFS)
Fonte: Jornal da Cidade