Quinta, 11 de fevereiro de 2021
"Oi Maurício.
O próximo exame será o 6º que farei, e honestamente estou com medo... muito medo de não conseguir de novo!
Já Fiz cursinhos no XXX, da XXX... e nada!
O problema todo sou eu. Às vezes não tenho coragem de abrir o caderno, fico inventando desculpas, me sabotando (indo a geladeira, passeando pela casa) e sempre a mesma coisa (hoje trabalhei demais e mereço descansar...).
Não sei o que há de errado comigo, o porque desta falta de ânimo.
Antes me preocupava com o que "os outros" iam dizer se eu não conseguisse... e já ouvi muitas vezes que eu era burra.
Trabalho mais de 10 anos em escritório de advocacia, tenho muito conhecimento na prática, mas quando chega a hora "H"... é grande problema, bloqueio, nervosismo, dúvidas... depois de 2 horas fazendo a prova, não consigo mais ler (parece que não entendo, que meu "cérebro" não assimila mais nada).
Por não passar na prova, fui demitida no ano passado do escritório em que eu trabalhava ha 8 anos. Fui para o fundo do poço, e a reprovação não parecia novidade para mim.
Então imagina, eu, bacharel (nenhum escritório me contrata), sem carteira da OAB, e, ainda por cima, com o financiamento estudantil (FIES) vencendo... Não sou rica nem muito pobre, mas estou começando a ficar assustada com a escolha daquele meu velho sonho de ser advogada, lutar e fazer justiça...
Queria muito escutar algo motivador, e não a mesma frase de sempre: "na próxima tu consegue" Gostaria muito de uma resposta sua quanto a minha pequena narrativa.
Um grande abraço
Fulana"
A autossabotagem é uma realidade e acomete muita gente.
Um trecho em especial na narrativa acima me chamou a atenção - "Às vezes não tenho coragem de abrir o caderno, fico inventando desculpas, me sabotando (indo a geladeira, passeando pela casa) e sempre a mesma coisa (hoje trabalhei demais e mereço descansar...) - mostrando que inequivocamente há um problema instalado, um problema que demanda uma solução.
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E como ela pediu, algo mais do que meras palavras de motivação.
Vamos lá!
1 - Reconhecendo o problema
Só precisa de ajuda quem reconhece que tem um problema e se permite ajudar. Esse passo a nossa amiga Fulana já superou. Ela tem plena consciência de que seu padrão de comportamento lhe acarreta sérios prejuízos na vida, em especial no campo profissional e na auto-estima.
Reconhecer limitações é um aspecto interessante, em especial no caso acima, que me parece ser a típica autossabotagem.
Pode ser que o medo de assumir responsabilidades, obrigações (como a de passar no Exame de Ordem) ou meros riscos podem, de forma inconsciente (e isso é importante) prejudicar os nossos anseios e projetos. A isso chamamos de autossabotagem.
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Quem se sabota acaba adotando atitudes prejudiciais por achar, no íntimo, que não merece ser um vencedor, ter sucesso nos próprios empreendimentos, vindo a subestimar a capacidade de lidar com os desafios e mesmo com as benesses decorrentes de eventuais vitórias.
Fulana perdeu o emprego, tem um FIES para pagar, mas não consegue sentar na cadeira e estudar. Acaba adotando atitudes de fuga, como a invenção de desculpas que lhe tire do seu foco. Pior do que isso, é se achar merecedora de um descanso, exatamente para fugir da obrigação.
Auto-obrigação, diga-se de passagem.
E aqui entramos no 2º passo: a identificação dos padrões de autossabotagem
2 - Identificando padrões
Não pretendo, neste texto, identificar as causas da autossabotagem. Impossível sabê-las sem adentrar na história e na mente da nossa amiga Fulana.
Como evitar esquecer o conteúdo na hora da prova?
Você está pronto para a prova da OAB?
Mas os padrões, os comportamentos que prejudicam podem ser identificados, e, uma vez conhecendo eles, podemos projetar soluções tópicas que, por si mesmas, quebrem tais padrões e, em última instância, gerem uma mudança no comportamento da nossa amiga.
O padrão básico pode ser resumido da seguinte forma:
a) Procrastinação
b) Auto-condescendência
Sobre a procrastinação colo trecho de um texto bem legal da Revista Saúde abordando a questão da procrastinação:
"Em uma pesquisa realizada em 2011 pelo gestor do tempo Christian Barbosa, autor do livro Equilíbrio e resultado - Por que as pessoas não fazem o que deveriam fazer? (Editora Sextante), 97,4% dos brasileiros admitem deixar atividades importantes para a última hora. "A procrastinação é o ato de adiar tarefas e acontece na vida de todo mundo. Nós procrastinamos ao acordar, quando apertamos o modo soneca do despertador, quando ficamos com preguiça de lavar a louça do jantar ou quando deixamos de responder àqueles e-mails chatos. Somos propensos a deixar quase tudo para depois, mas eu diria que os assuntos pessoais são os que acabam sendo os aspectos que mais adiamos em nossas vidas" afirma o especialista Barbosa.
O estudo também apontou quais são os principais fatores que levam à procrastinação: falta de tempo, impulsividade (deixamos algo de lado para fazer outra atividade), falta de energia, medos, autossabotagem e preguiça. Além disso, o ato de adiar pode estar relacionado à busca pela perfeição, já que pessoas com essa característica tendem a preferir tarefas desafiadoras e evitam as mais simples.
Já a auto-condescendência está ligada à necessidade de estabelecer justificativas para o próprio comportamento prejudicial, MESMO que exista a percepção de prejuízo em função deste comportamento.
A dispersão nos estudos é manifesta e, mesmo assim, o padrão de fugir do ato de estudar, e mesmo ter a concentração necessária,, perdura, implicando, ao fim, em todo o pânico e medo na hora da prova. Há uma manifesta fuga da responsabilidade "depois de 2 horas fazendo a prova, não consigo mais ler (parece que não entendo, que meu "cérebro" não assimila mais nada)" derivada muito provavelmente da falta de confiança e do medo.
Claro círculo vicioso e destrutivo.
Essa etapa, por sorte, também já foi identificada pela nossa amiga: ela tem consciência do seu padrão de comportamento.
3 - Projetando soluções
Agora vem a parte complicada: como resolver esse problema?
Vamos partir da premissa de que somos seres programáveis. Dizem, e com razão, que o hábito faz o monge. E faz.
Vamos também sugerir uma sistemática pouco invasiva, algo que não agrida em excesso a fulana e que não seja traumático, radical. Tiro a conclusão, portanto, de que a solução não será imediata. Não há uma solução para ajudá-la para o próximo Exame de Ordem. O problema é sério e a solução demandará um pouco mais de trabalho e tempo.
De toda forma, claro, há solução.
O que fazer?
Vamos voltar a uma constatação dela, a mais importante do seu e-mail: "Às vezes não tenho coragem de abrir o caderno, fico inventando desculpas, me sabotando (indo a geladeira, passeando pela casa) e sempre a mesma coisa (hoje trabalhei demais e mereço descansar...)."
Algumas vezes estuda um pouco, noutras nem pega nos livros. Foge dos estudos.
Resumindo: estudar dói.
Pode então começar o processo de "recuperação" admitindo isso: estudar dói. Não tem problema.
E se dói, então é melhor estudar um pouco. Nada de sentar a bunda na cadeira e se entregar aos estudos por horas a fio forçadamente. Isso nunca vai funcionar, e a dispersão durante o próprio ato de estudar será inevitável.
Pergunta básica: quanto tempo você consegue estudar sem perder o foco? Por uns 15 minutos? 20? É o suficiente para começar.
E este é o ponto chave no processo de recuperação: não criar grandes expectativas de imediato. Nenhuma solução será eficaz no curto prazo. Será preciso aceitar isso logo de plano e relaxar quanto a velocidade das mudanças.
Com certeza, ao abrir um livro e começar a estudar, ao menos você conseguirá, por um lapso mínimo de tempo, ler sem perder o foco.
E pronto! Missão cumprida!
"Mas só 20 minutos resolvem?"
Claro que não, mas dentro deste contexto, é alguma coisa. Estudo aquele lapso mínimo de tempo e SE PERMITA dispersar a mente com outras coisas. Se deixar de estudar é visto como uma espécie de recompensa, então se permita não estudar.
Claro! A dispersão é algo que tem um limite. Depois de relaxar, volte para os estudos e assegure o seu melhor desempenho em termos de concentração pelos mesmos 20 minutos, sem perder o ritmo.
Imagine então 4 sessões de estudos de 20 minutos em um dia. Uma hora e vinte de estudo. Muito pouco, é verdade, mas é alguma coisa. É algo com o que se trabalhar.
E aqui está o segredo: o estabelecimento de um microciclo de estudo, em que um pequeno lapso de tempo é respeitado como estudo sério, sem agredir as próprias características do estudante. O importante é retornar aos estudos de toda forma sempre que a dispersão passar, e estudar dentro de um pequeno limite com a certeza de que o estudo vai render.
Trata-se de um simples processo de auto-condicionamento: durante X tempo você estuda neste ritmo. Algo como uma semana, por exemplo. Depois, naquele ciclo de 20 minutos você acrescenta mais 5 ou 10 minutos de estudos. Assim, paulatinamente, sem se pressionar e sem agredir seu próprio padrão de comportamento, é possível criar um hábito, um condicionamento em relação aos estudos.
Acrescenta mais 10 minutos, acrescenta mais um ciclo durante o dia, e o volume de tempo estudado gradativamente irá crescendo e o tempo de dispersão, considerado aqui como uma recompensa, irá decaindo.
Leva tempo, mas é um método que não é agressivo, pois respeita os condicionamentos pré-estabelecidos, e permite uma evolução consistente (e potencialmente duradoura) no processo de estudo.
Lembre-se: o problema tem anos já, a solução já será encontrada em uma semana ou um mês. Mas uns 3 ou 4 meses seguindo essa metodologia poderá ser, caso a progressão seja respeitada, um lapso temporal razoável para mudar seu histórico de desconcentração.
De toda forma, a mente é condicionável e, se ela é, basta estabelecer uma disciplina a ser seguida. A mente vai se amoldando às novas circunstâncias. E irá sem muito sofrimento, pois a assimilação do processo não é traumática - é suave.
4 - Mensurando resultados
E quando será o momento de avaliar se o sistema implementado está dando ou não certo?
Acredito que em poucas semanas, 3 ou 4, já é possível verificar pequenas mudanças. Em 2 meses dá para ter certeza de que o processo está fluindo e trazendo resultados.
Mas também em alguns poucos dias você poderá perceber que não consegue de jeito nenhum implementar o sistema.
Neste caso, tente ser ainda mais flexível consigo mesma. Use menos tempo e menos ciclos de estudo até encontrar um ritmo que lhe seja adequado. E, a partir daí, reinicie o processo.
E se não der certo ainda assim? Aí é necessário passar para a última etapa.
5 - Buscando ajudas alternativas
E se tudo der errado?
De repente, quem sabe, você tem uma deficiência na área de aprendizado e precisa da ajuda de um profissional. Não seria uma vergonha admitir isso. Podemos ter problemas que sequer façamos ideia.
Torna-se necessário, quando a dificuldade ganha contornos graves e a autoestima está fragilizada, de procurar um profissional específico para o tipo de problema relatado no e-mail acima.
É hora de procurar um psicopedagogo clínico.
E o que é a psicopedagogia clínica? Segue um texto que achei na web e serve para descrever bem o trabalho desses profissionais:
"A Psicopedagogia é um campo de conhecimento e atuação em Saúde e Educação que lida com o processo de aprendizagem humana, seus padrões normais e patológicos, considerando a influência do meio - família, escola e sociedade - no seu desenvolvimento, utilizando procedimentos próprios.
A Psicopedagogia se ocupa da aprendizagem humana, que adveio de uma demanda - o problema de aprendizagem, colocado num território pouco explorado, situado além dos limites da Psicologia e da própria Pedagogia - e evoluiu devido à existência de recursos, ainda que embrionários, para atender essa demanda, constituindo-se, assim, numa prática.
Esse ramo ainda se encontra em fase de organização de um corpo teórico específico, visando à integração das ciências pedagógicas, psicológica, fonoaudiológica, neuropsicológica e psicolingüística para uma compreensão mais integradora do fenômeno da aprendizagem humana.
O objeto de estudo deste campo do conhecimento é a aprendizagem humana e seus padrões evolutivos normais e patológicos.
O psicopedagogo, através do diagnóstico clínico, irá identificar as causas dos problemas de aprendizagem. Para isto, ele usará instrumentos tais como, provas operatórias (Piaget), provas projetivas (desenhos), EOCA e anamnese.
A Psicopedagogia Clínica tem como missão, retirar as pessoas da sua condição inadequada de aprendizagem, dotando-as de sentimentos de alta auto-estima, fazendo-as perceber suas potencialidades, recuperando desta forma, seus processos internos de apreensão de uma realidade, nos aspectos: cognitivo, afetivo-emocional e de conteúdos acadêmicos.
O aspecto clínico é realizado em Centros de Atendimento ou Clínicas Psicopedagógicas e as atividades ocorrem geralmente de forma individual."
Fonte: http://www.pedagobrasil.com.br
O cerne da questão é o seguinte: o quanto você conhece de si mesmo e de suas limitações?
A autocrítica em algum momento aparece mas ela pode perfeitamente não conseguir abranger e compreender na plenitude os problemas que afligem o estudante.
Vamos partir do princípio de que não sabemos de tudo.
Sendo assim, a busca por uma ajuda PROFISSIONAL, com especialistas dotados com a formação adequada, em algum momento pode ser necessária.
Quando o fracasso é reiterado, quando isso começa a destruir a autoestima, surge a necessidade de se buscar por respostas que vão além das meras técnicas de estudo. Como gostamos de dizer, "o buraco é mais embaixo."
Quantos casos eu não conheço de candidatos que reprovam 6, 10, 15 vezes? Isso é normal? Por que uns passam de primeira ainda na faculdade e outros amargam anos tentando a aprovação? Aqueles seriam mais inteligentes ou capazes do que estes?
Talvez sim, talvez não.
Não podemos afastar de plano a existência de dificuldades não percebidas que podem solapar os esforços e os estudos. Identificar problemas de ordem emocional ou de apreensão cognitiva que se exteriorizam por meio de repetidas reprovações no Exame de Ordem pode ser a solução para um problema aparentemente insuperável.
E não é NENHUMA vergonha buscar esse tipo de ajuda. Nenhuma mesmo.
Se eu posso dar um conselho que preste, busque primeiro descartar a existência de problemas psico-cognitivos. Eles podem existir e você não faz a menor ideia disso.
Depois do diagnóstico, o psicopedagogo orientará da melhor forma possível no sentido de se superar os problemas, podendo inclusive encaminhá-la a outros profissionais, se for o caso, para controlar eventuais fobias ou medos, casos inexistam problemas de ordem cognitiva.
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Em suma: todos nós temos potenciais. Alguns tem mais dificuldades para implementar suas capacidades, mas elas estão lá, esperando para serem postas em prática.
O reconhecimento das deficiência e a noção de que a vida está sendo atrapalhada por isto é de suma importância neste processo. E isso você já conseguiu perceber.
Agora é hora de entrar em ação, respeitando a suas limitações.
Lembre-se: você não vai bater de frente com elas, as limitações, você vai lentamente dobrá-las até elas quebrarem pela pressão exercida pelo hábito.
Com calma, se respeitando, você chega lá!