As 8 lendas mais comuns sobre o Exame de Ordem, seu papel, sua importância e sua aplicação

Segunda, 23 de fevereiro de 2015

Semana passada, com a divulgação e repercussão de que o deputado Eduardo Cunha estaria tentando agilizar a votação do projeto de lei contrário ao Exame, uma série de manifestações ressurgiram com força nas redes sociais, em uma tentativa de reforçar os argumentos contra o fim da prova.

Argumentos, ao meu ver, carentes de consistência, mais voltados para atender um fim político em si do que tornar claro qual é o verdadeiro papel do Exame de Ordem.

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1 - Quem seleciona o profissional é o mercado de trabalho e não a OAB.

Essa afirmação, extremamente comum entre os que anseiam pelo fim do Exame, carrega consigo um gravíssimo equívoco: o de se acreditar que a prestação de serviços advocatícios se assemelha a uma atividade liberal qualquer.

Não é e nunca será!

E não é por uma razão absolutamente simples: os direitos das pessoas NÃO PODEM não podem ser tratado de forma casuística, leviana ou com qualquer tipo de atecnia por parte do advogado. Isso é uma questão de interesse público!

Deixar o "mercado" selecionar entre os bons e os maus advogados é não um simples raciocínio que envolve a disputa entre quem é o melhor. A atuação do advogado SEMPRE pressupõe que ele está lidando com o direito do jurisdicionado. A seleção do melhor pela mera competição implica necessariamente na DESTRUIÇÃO dos direitos de uma infinidade de clientes.

É exatamente por isso que o advogado, mesmo exercendo um ministério privado, também exerce função pública. Ou seja, o advogado é profissional liberal e também exerce um serviço público. É a única profissão com esta característica.

E não se outorga um munus público para quem exerce relevante função social de forma leviana ou desprovida de critérios. Daí a existência e a razão do Exame de Ordem.

E isso por força da Lei e da Constituição:

Art. 133 da CF:

O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.

Art. 2º da Lei 8.906/94:

Art. 2º O advogado é indispensável à administração da Justiça.

§ 1º. No seu ministério privado, o advogado presta serviço público e exerce função social.

§ 2º. No processo judicial, o advogado contribui na postulação de decisão favorável ao seu constituinte, ao convencimento do julgador, e seus atos constituem múnus público.

Deixar o "mercado selecionar" implicaria na destruição do prestígio da classe, na destruição dos direitos de uma infinidade de pessoas e no descrédito do Poder Judiciário.

O péssimo advogado só pode ser péssimo se ele causou prejuízos aos seus clientes. Quantos clientes vão ter seus direitos perdidos para que então um advogado seja considerado ruim? Como o "mercado" vai saber quem é bom ou quem é ruim, sendo que as pessoas são leigas em relação ao universo jurídico?

Simples assim.

2 - Nunca vi um estudo mostrando que o exame de ordem, de fato, previne o mau exercício da advocacia.

Sim, e nem nunca será possível produzir um estudo desta natureza, exceto se o próprio Exame acabar. Aí existiria um campo real onde a análise empírica de dados poderia ser então analisada.

Ou não.

Desconheço a existência de estudo que demonstrem quantos prazos foram perdidos em uma determinada vara ou tribunal ao longo de um determinado lapso de tempo. Ou quantos erros técnicos foram cometidos, ou quanto recursos foram negados por não terem sido devidamente pré-questionados, ou quantos direitos subjetivos foram jogados no lixo por não terem sido devidamente tratados em uma petição inicial...

Estamos lidando com um campo de evidentes subjetividades, onde a análise objetiva de dados encontra grande dificuldade em ser produzida, tanto é que tal tipo de campo de pesquisa é limitado, dada a dificuldade em se produzir os dados.

Mas nem por isso torna-se impossível intuir o que aconteceria com o fim do Exame de Ordem, até porque existe um estudo, do próprio MEC, mostrando hoje a realidade do nosso ensino superior, realidade esta que reflete, no futuro, o que ocorre em todas as profissões neste país: 38% dos estudantes universitários do Brasil são analfabetos funcionais.

Entre os estudantes do ensino superior, 38% não dominam habilidades básicas de leitura e escrita, segundo o Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf), divulgado pelo Instituto Paulo Montenegro (IPM) e pela ONG Ação Educativa. O indicador reflete o expressivo crescimento de universidades de baixa qualidade.

Criado em 2001, o Inaf é realizado por meio de entrevista e teste cognitivo aplicado em uma amostra nacional de 2 mil pessoas entre 15 e 64 anos. Elas respondem a 38 perguntas relacionadas ao cotidiano, como, por exemplo, sobre o itinerário de um ônibus ou o cálculo do desconto de um produto.

O indicador classifica os avaliados em quatro níveis diferentes de alfabetização: plena, básica, rudimentar e analfabetismo (mais informações nesta pág.). Aqueles que não atingem o nível pleno são considerados analfabetos funcionais, ou seja, são capazes de ler e escrever, mas não conseguem interpretar e associar informações.

Segundo a diretora executiva do IPM, Ana Lúcia Lima, os dados da pesquisa reforçam a necessidade de investimentos na qualidade do ensino, pois o aumento da escolarização não foi suficiente para assegurar aos alunos o domínio de habilidades básicas de leitura e escrita.

"A primeira preocupação foi com a quantidade, com a inclusão de mais alunos nas escolas", diz Ana Lúcia. "Porém, o relatório mostra que já passou da hora de se investir em qualidade."

Segundo dados do IBGE e da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), cerca de 30 milhões de estudantes ingressaram nos ensinos médio e superior entre 2000 e 2009. Para a diretora do IPM, o aumento foi bom, pois possibilitou a difusão da educação em vários estratos da sociedade. No entanto, a qualidade do ensino caiu por conta do crescimento acelerado.

"Algumas universidades só pegam a nata e as outras se adaptaram ao público menos qualificado por uma questão de sobrevivência", comenta. "Se houvesse demanda por conteúdos mais sofisticados, elas se adaptariam da mesma forma."

Para a coordenadora-geral da Ação Educativa, Vera Masagão, o indicativo reflete a "popularização" do ensino superior sem qualidade. "No mundo ideal, qualquer pessoa com uma boa 8.ª série deveria ser capaz de ler e entender um texto ou fazer problemas com porcentagem, mas no Brasil ainda estamos longe disso."

Segundo Vera, o número de analfabetos só vai diminuir quando houver programas que estimulem a educação como trampolim para uma maior geração de renda e crescimento profissional. "Existem muitos empregos em que o adulto passa a maior parte da vida sem ler nem escrever, e isso prejudica a procura pela alfabetização", afirma.

Jovens e adultos.

Entre as pessoas de 50 a 64 anos, o índice de analfabetismo funcional é ainda maior, atingindo 52%. De acordo com o cientista social Bruno Santa Clara Novelli, consultor da organização Alfabetização Solidária (AlfaSol), isso ocorre porque, quando essas pessoas estavam em idade escolar, a oferta de ensino era ainda menor.

Fonte: Estadão

E a questão não para por aí. Seus desdobramentos são óbvios no mercado:

A "geração do diploma perdido", ou, como o Brasil fabrica profissionais que não sabem trabalhar

?Izento?, ?sensura?, ?resição?, ?essepicional?, ?ancioso?, ?pré-missa?, ?pró-penção? e ?exelência?: quando um ditado seleciona universitários para uma vaga de estágio

?Pérolas? do Exame de Ordem revelam as deficiências do ensino jurídico

Aluno do ensino médio na escola pública sabe menos que o do fundamental na particular

Pesquisa mostra que estagiários perdem vagas em empresas por falta de leitura

Pesquisador conclui que mais de 50% dos universitários são analfabetos funcionais

analfabetos funcionais

A verdade, e ela é INSOFISMÁVEL, é que a educação no país é uma tragédia. Ninguém, em lugar algum, diz o contrário.

Isso se reflete sim no universo profissional e em nossos péssimos indicativos de crescimento econômico.

A verdade é que deveríamos ter exames de suficiência para TODAS as profissões, mas os nossos legisladores NÃO QUEREM isso, mesmo com as explícitas evidências, notórias, do colapso do nosso sistema de ensino, desde o básico até o superior. Logo, não os temos por pura e negligente inércia legislativa.

Exceto com a existência do Exame de Ordem e do Exame de Contabilidade, porque essas classes se mobilizaram em razão de uma preocupação com a prestação dos serviços de seus profissionais diante de um quadro óbvio e notório de sucateamento do nosso sistema educacional.

3 - A OAB fatura 60 milhões de reais por ano com o Exame de Ordem.

A conta é simples! Cada edição do Exame tem uns 100 mil inscritos. Multiplica isso por R$ 200,00 (agora R$220,00) e depois por 3, em razão do número de edições anuais, e chegamos aos "60 milhões."

O problema deste raciocínio é um só: o faturamento representado pelo cálculo acima desconsidera os gastos com a prova, dando a impressão que a OAB lucra de forma absurda com a aplicação do Exame.

Não é por aí!

Esse "faturamento" seria bruto, e não líquido. Ninguém se dá ao trabalho de perguntar quanto efetivamente custa o Exame e quanto, ao final, sobra para a OAB e para a FGV.

Uma notícia de 2011, referente a uma Ação Civil Pública ajuizada pelo MPF, mostrou como era feito, à época, a conta da divisão do valor da inscrição:

No contrato assinado entre o CESPE e o Conselho Federal da OAB, vê-se que, do valor de 200 reais cobrados a título de inscrição, apenas 84 reais destinaram-se à instituição contratada para cobertura dos gastos com o concurso. Os restantes 116 reais, pagos por cada candidato, ficaram com a Ordem.

?Se considerarmos as 95.764 inscrições no Exame 2010.1, vemos que nada menos do que R$ 11.108.624,00 foram destinados à OAB, que teve como obrigações financeiras na realização do certame apenas a publicação de editais, listagens e comunicados; a cobertura de eventuais isenções e os custos de deslocamento de seus membros nos dias de prova?, afirma Cleber Neves.

Fonte: MPF

Há de se lembrar que esta informação é anterior à fraude ocorrida no Exame do Exame 2009.3, na chamada Operação Tormenta, quando um esquema de fraudes foi descoberto, obrigando a OAB a reaplicar a provada 2ª fase naquela oportunidade.

Depois daquilo, o esquema de segurança passou por um processo de melhoria, e certamente isto teve um custo, aumentando ainda mais o valor gasto em segurança.

E aqui fica uma sugestão: a OAB deveria abrir as contas do Exame de Ordem para esse tipo de argumento ser devidamente tratado. Todo candidato que desenbolsa R$ 220,00 tem o direito de escrutinar o elevado valor cobrado, e que há um BOM motivo por detrás deste valor.

É só dar publicidade às contas do Exame. Não custa nada...

4 - Basta estudar para ser aprovado no Exame de Ordem.

Não existe uma única causa responsável pela reprovação no Exame de OrdemHá muito tenho a percepção de que as causas de reprovação são multifatoriais, e não são excludentes entre si. Isso compõe um quadro relativamente complexo e, infelizmente, sujeito a visões que visam explicar o problema da forma mais assimilável.

Existem bacharéis em Direito que são analfabetos funcionais? Sim, eles existem e eu comprovei isso pessoalmente ao analisar provas subjetivas de candidatos reprovados. Candidatos que não compreendem um problema e não conseguem colocar no papel uma ideia com começo, meio e fim.

O ensino jurídico fraco ajuda a reprovar? Com certeza! Talvez inclusive seja a causa preponderante de reprovações! Mais preocupante ainda é que a grande maioria dessas faculdades aplicam vestibulares risíveis e não reprovam nenhum acadêmico. Aliás, hoje, tentem reprovar um universitário para ver o que acontece. Estudante hoje (sem generalizar, claro!) é CONSUMIDOR e não ALUNO. Não se reprova consumidores!

O estelionato educacional não é uma figura retórica: é uma realidade!

Existem candidatos que levam a faculdade nas coxas? Com certeza! Muitos travam com sua instituição um verdadeiro pacto de mediocridade: "eu finjo que ensino, você finge que aprende, e no final do curso eu te dou um diploma". No Exame de Ordem a grande maioria das faculdades não conseguem aprovar nem 5% de seus egressos.

Por outro lado, MUITOS, MUITOS, MUITOS alunos interessados e estudiosos têm somente como paradigma de aprendizagem a sua faculdade medíocre, pagam por isso achando que estão aprendendo e ao fim de tudo descobrem que foram ludibriados porque o sistema (o Exame) lhes revela finalmente a verdade: sua faculdade não valia nada!! São VÍTIMAS dessas faculdades e da precariedade da fiscalização do MEC.

A OAB e a FGV cometem injustiças com os candidatos? Eu acompanho de perto o Exame de Ordem desde a prova 2007.3 e não me lembro de NENHUM Exame que uma injustiça ou um critério de correção equivocado não tenha derrubado quem merecia passar. Mais do que isso, me lembro de MUITOS Exames cujas provas foram pensadas com o fito de derrubar de forma ostensiva os candidatos.

Preciso dar detalhes sobre o X Exame de Ordem, por exemplo? Não preciso falar nada, não é?

Critérios de correção errôneos, falta de atribuição de pontos, provas extensas e desproporcionais, repetição de questões de provas anteriores, padrões de resposta equivocados, enunciados lacunosos,  intervenções do MPF e mais um longo et cetera marcaram praticamente todas as edições do Exame de Ordem desde o tempo do Cespe, e em especial a gestão da FGV.

No resto, podemos contabilizar os peguinhas do tempo do Cespe em todas as provas objetivas, ou os enunciados para lá de extensos agora concebidos pela FGV, para reprovar o maior número possível de inscritos, sem contar a média por Exame de 8 a 10 questões passíveis de anulação por conta de problemas em seus enunciados ou alternativas.

Existem candidatos preparados e estudiosos que sucumbem ao emocional? Aos MONTES! Essa certamente uma causa relevante a contribuir com muitas reprovações. Apesar da advocacia ser uma profissão que lida com antagonismos e enfrentamentos diários (de forma civilizada), onde a a timidez não pode ter espaço, quem está saindo da faculdade ainda está verde, independente da idade, para lidar com esse tipo de situação. É natural sentir a pressão.

Aliás, lidar com a pressão da família e da sociedade (colegas de emprego, amigos e conhecidos) já foi alvo de várias postagens minhas. E foi alvo porque isso é REAL, isso ATRAPALHA DE VERDADE muita gente. Não é lenda e não é frescura: a maioria dos candidatos sentem a pressão, e boa parte sucumbe diante dela.

80% dos candidatos em um exame já reprovaram ao menos uma vez. As duas últimas provas reprovaram 85% dos inscritos. Quem não fica com medo? A minoria, por certo.

Existem pessoas inteligentes e capazes que simplesmente não conseguem se encaixar com a prova? Existe sim. Aliás, essa é uma das coisas mais curiosas em torno do Exame: gente inteligente, articulada, preparada que simplesmente não consegue passar. Como, se são inteligentes, articuladas etc e tal? Eu não sei, mas acontece! E falo com conhecimento empírico, por acompanhar ex-colegas de faculdade e pessoas cuja capacidade eu não duvido, além de Deus sabe quantos depoimentos de pessoas que recebi ao longo de 3 anos do Blog Exame de Ordem, já formadas, com mais um uma faculdade, articuladas, até mesmo adultos na maturidade e com grandes responsabilidades, as vezes até mesmo bem sucedidos na vida, que não passam na prova!!

Eu não saberia explicar, mas tem gente assim, e não são poucos!

Existem hoje, por baixo (estimativas da OAB), 2 milhões de bacharéis em Direto que não passaram na prova. Por que então não temos 2 milhões de inscritos no Exame? Não temos pois eles já desistiram de passar, foram vencidos após amargar várias reprovações.

PAGARAM para ter um diploma e sonhar com o exercício da advocacia, mas ao fim sucumbiram diante da realidade. É um exemplo muito perverso de concentração de riqueza: pagam 5 anos de faculdade, 5 anos de seu tempo, e ao fim só têm um canudo inútil na mão.

Isso é um problema social largamente ignorado.

É um verdadeiro escândalo! Escândalo silencioso, ignorado e, aparentemente, incapaz de comover a sociedade.

É mais fácil querer acabar com o Exame do que acabar com as faculdades sem um real compromisso com o ensino superior. Estas contam com sócios muito, mas muito influentes no parlamento.

As faculdades meia-boca não vão acabar, já o Exame, que é uma coisa séria, corre lá os seus riscos.

5 - A culpa é a OAB que o ensino jurídico tenha chegado ao ponto que chegou. Ela deveria ter se preocupado com a qualidade dos cursos e contido a expansão irrefreada deles.

Nada mais distante da realidade...

Vamos partir do óbvio começo: para a OAB poder fazer algo ela precisa de sustentáculo LEGAL!

Qual é ou quais são as normas que autorizam a Ordem a limitar o acesso ao ensino jurídico superior, controlar qualidade de corpo docente, qualidade das bibliotecas, carga de trabalho ou titulação dos professores?

Nenhuma! Tudo tem seu escopo legal e tudo é determinado pelo MEC em função da legislação correlata.

A OAB, em seu papel de opinar quanto a abertura de novas instituições de ensino, reprovava 90% dos pedidos. Entretanto, os pareceres da Comissão Nacional de Ensino Jurídico eram, como sempre foram, ignorados pelo MEC, EXATAMENTE pela natureza destes pareceres: meramente opinativos.

A Ordem nunca teve força, e nem respaldo legal, para conter a expansão, assim como não tem instrumentos legais para fiscalizar e punir as faculdades.

E mesmo quando o MEC estava para dar alguma força para a Ordem, fez o favor de inventar um atalho para atrapalhar o trabalho de fiscalização da OAB:

MEC altera regras para criação de cursos de Direito e "dá um balão" em pleito histórico da OAB

Não vamos nos enganar...quem manda no ensino superior no Brasil é o mercado. Um mercado de dezenas de bilhões de dólares. Alguém acha mesmo que a Ordem tem como fazer frente a este sistema?

Vejam só que curioso! O Exame da OAB, em seu atual formato, nasceu em 1994, com a Lei 8.906/94, e começou a ser aplicado pelas seccionais a partir de 1995. Observem agora os dados estatísticos de expansão no número de faculdades de Direito no país, a partir, exatamente, de 1995:

1995 ? 165 faculdades de Direito

2001 ? 505 faculdades de Direito

2014 ? 1284 faculdades de Direito

Isso representa um crescimento de 778,18% no período. Esses dados foram colhidos por mim durante a  XXII Conferência Nacional dos Advogados Brasileiros, ocorrido em outubro último, o décimo painel do evento, cujo tema era "o Ensino Jurídico, Advocacia e Sociedade". Naquela oportunidade o ex-presidente da OAB, Dr. Ophir Cavalcante, tratou da expansão do número de faculdades de Direito no Brasil.

Conclusão: o Exame de Ordem adquiriu esse formato quando o Governo FHC (sim, a culpa é dele neste caso) resolveu trocar a matriz do ensino superior de público pra privado.

Os dirigentes da Ordem anteciparam os efeitos do tal "estelionato educacional".

O Exame de Ordem é, efetivamente, o único instrumento de controle que a Ordem efetivamente tem para impedir não só que estudantes mal-preparados cheguem ao mercado como também para evitar uma super população de causídicos.

Se o Eduardo Cunha efetivamente acabar com o Exame, décadas de controle serão serão eliminadas, e tudo o que a classe temeu vai acontecer da noite para o dia.

Será o fim das condições mínimas atuais para o exercício da advocacia. Aliás, e creio nisto convictamente, o fim do Exame vai paralisar o poder judiciário:

O que aconteceria com a advocacia se o Exame de Ordem fosse extinto?

Tem que pensa da mesma forma, tem quem não. É só uma questão de "pagar para ver...".

O problema seria desfazer o nó depois de feito.

6 - O Exame de Ordem avalia o ensino jurídico e é um padrão de qualidade para as graduações.

Serei taxativo: o Exame de Ordem NÃO É instrumento de avaliação das graduações!

Ponto!

O Exame de Ordem é tão somente o instrumento de seleção entre aqueles que anseiam advogar, implementado por quem tem a competência legal para isto, a OAB.

Nunca vi uma graduação balizar sua qualidade pelo número de juízes ou promotores "que aprova." Por que não utilizam esta baliza, tão legítima quanto o uso das aprovações no Exame, para servir de indicativo de qualidade de uma instituição?

O Exame da OAB é um instrumento POBRE para avaliar as graduações, essa é que é a verdade. Sabem o porquê?

Reproduzo aqui um estudo conduzido pelo doutor e professor do Departamento de Educação da UFSCar Universidade Federal de São Carlos, João Virgílio Tagliavini, coordenador de um trabalho sobre a estruturação do Exame da OAB. Segundo sua avaliação, "em média, 85% das questões são respondidas com memorização da lei."

A equipe do professor João Virgílio teve o cuidado de analisar o conteúdo e a formulação da prova sob a taxonomia de Bloom.

taxonomia de Bloom é uma estrutura de organização hierárquica de objetivos educacionais. A classificação proposta por Bloom dividiu as possibilidades de aprendizagem em três grandes domínios:

- o cognitivo, abrangendo a aprendizagem intelectual;

- o afetivo, abrangendo os aspectos de sensibilização e gradação de valores;

- o psicomotor, abrangendo as habilidades de execução de tarefas que envolvem o organismo muscular.

Cada um destes domínios tem diversos níveis de profundidade de aprendizado. Por isso a classificação de Bloom é denominada hierarquia: cada nível é mais complexo e mais específico que o anterior. O terceiro domínio não foi terminado, e apenas o primeiro foi implementado em sua totalidade.

E foi sob o primeiro, o cognitivo, que a equipe da UfsCar laborou. Vejamos o quadro hierárquico do domínio cognitivo:

bloom taxonomia

A equipe da UfsCar, em seu trabalho, fez o seguinte raio-x do Exame:

Em relação às fontes do direito:

a) 75,75% das questões enfatizam a memorização das normas;

b) 13,75% são questões com foco na doutrina;

c) 1% abordam aspectos jurisprudenciais e;

d) 9,5% abordam mais de uma fonte do direito.

Em relação às exigências de cognição:

a) 57,25% das questões estão no 1º degrau da taxonomia de Bloom, o conhecimento (o mais simples);

b) 26,5% das questões estão no 2º degrau, que exige a compreensão;

c) 5,75% no 3º degrau, o de capacidade de análise;

d) 2% no 4º degrau, o de capacidade de síntese e;

e) 1% no 5º degrau, o da capacidade de avaliação.

É nítido, no estudo, a correlação entre as fontes do direito e ao tipo de exigência cognitiva.

Questões cuja estrutura decorre da mera utilização da letra da lei correspondem às questões cujo o grau de cognição é o mais simples, o 1º da taxonomia de Bloom.

Ou seja, a prova da OAB, em termos de demonstração de capacidade cognitiva, compreensão de institutos ou mesmo puro raciocínio jurídico, seria uma prova inadequada, pois o simples uso da memória, do "decoreba", propiciaria ao candidato um desempenho adequado na prova, resultando em sua aprovação, sem uma análise mais profunda de suas capacidades intelectuais.

Isto, entretanto, não deve ser confundido, em absoluto, com grau de dificuldade da prova, apesar de guardar próxima correlação.

Apresentar essa análise é importante para delimitar o verdadeiro grau de dificuldade do Exame de Ordem. Sob o estudo do grupo da UfsCar, a estrutura do Exame de Ordem demanda, em sua essência, um baixo grau de conhecimento dos candidatos, ou seja, a maioria das questões estão enquadradas nos dois primeiros níveis da taxonomia de Bloom, que exigem a mera decoração de conceitos e a mera compreensão destes.

POWWWW! Durmam com essa!! A prova da OAB é POBRE em termos de exigências cognitivas!

Mais!

O Exame sequer abrange todo o rol de disciplinas e competências ensinadas durante a graduação. O atual modelo foi construído sob o prisma de se avaliar, na essência, as disciplinas do Eixo de Formação Profissional,  não as disciplinas propedêuticas:

Disciplinas propedêuticas

A estrutura da prova favorece mais a memorização de conteúdos e enunciados normativos que os raciocínios problematizantes e propriamente jurídicos. A introdução das disciplinas do Eixo de Formação Fundamental teria seus efeitos mitigados em função da natureza dogmática para prova objetiva.

Além disto, por ser uma prova mais dogmática, a abordagem dos aspectos doutrinários e jurisprudenciais é parca, tal como o estudo demonstrou.

Isso passa longe do que é aprendido na faculdade. Não tem como ser um instrumento de avaliação das graduações.

E porque reprova tanto?

A resposta pode ser amarga para muita gente, mas, para mim, a resposta tem duas vertentes básicas:

1 - a primeira que o modelo mnemotécnico privilegia quem detém facilidade para decorar em detrimento de quem tem facilidade para interpretar e analisar, e decorar conteúdo e enfrentar peguinhas exige mais da memória por conta da literalidade do conhecimento a ser apreendido do que a simples absorção de conceitos jurídicos;

2 - a segunda é que o ensino superior jurídico hoje é realmente fraco, tal como abordei no item 2 desta publicação.

Mudar a prova para exigir mais raciocínio pode privilegiar um grupo em detrimento do outro, sem assegurar um correlato aumento na aprovação média. Talvez, já que os candidatos não dominam sequer o 1º grau de conhecimento de acordo com a taxonomia, uma mudança qualitativa na prova provocasse um resultado até  pior do que o colhido atualmente.

Eis a questão: a culpa é de quem, afinal? Só do Exame da OAB?

7 - Meu diploma é atestado pelo MEC, e não pela OAB. Tenho o Direito de Advogar!

É como eu escrevi mais acima: advogar é um requisito exigido pela lei, cuja guarda é feita pela Ordem. Ela, a Ordem, que seleciona os advogados e fiscaliza o exercício da profissão.

Até o momento da entrega do diploma a questão é educacional. Após isto, trata-se de exercício profissional.

Ou seja, com o diploma o bacharel pode ser paralegal, advogado, técnico ou analista judiciário, procurador, advogado público, promotor ou juiz. Com o diploma ele ESCOLHE o seu caminho.

Tirando o paralegal todos os demais ofícios jurídicos exigem algum tipo de sistema de seleção. Advogar não é um desdobramento natural da concessão do diploma, e não é porque o advogado recebe parcela de poder estatal para exercer seu ofício.

8 - Os cursinhos só querem explorar os estudantes!

Não canso de ver pessoas atacando os cursos preparatórios, chamando-os de vampiros dos candidatos, exploradores daqueles que precisam passar no Exame de Ordem.

Trata-se, naturalmente, de uma visão equivocada.

Os cursos preparatórios para a OAB, todos eles, são ESSENCIAIS para o sucesso dos examinandos.

Lembro-me bem de uma história que serve para ilustrar minha assertiva.

Eu ainda estava na faculdade, já tendo meus pesadelos com o Exame de Ordem, quando um colega me falou da ascensão de um curso preparatório aqui em Brasília. O dono desse curso, um professor universitário e procurador do DF, tinha em mente a criação de uma editora apenas, mas durante e implementação de seu projeto muitos dos alunos, já no final do curso, lhe pediam para dar algumas aulas visando o Exame de Ordem.

Ele concordou, montou uma pequena sala e deu o curso. No Exame seguinte a procura aumentou consideravelmente e ele expandiu sua infraestrutura. Em dois anos se transformou no maior curso preparatório do DF.

Eis o detalhes da história: ele foi procurado pelos alunos e não o contrário.

Daqui podemos tirar duas conclusões: A primeira é que os cursos recebem uma demanda, são PROCURADOS pelos candidatos, a segunda é que a qualidade do ensino jurídico do Brasil força os alunos a procurarem os cursinhos.

Afinal, porque um curso preparatório existe? Por que os futuros examinandos acreditam que precisam de um preparo adequado para enfrentarem o Exame de Ordem?

A resposta é de uma obviedade manifesta: o fazem por acreditarem que não estão preparados para enfrentar o grau de dificuldade da prova. O fazem por que depositam CONFIANÇA em uma preparação específica para o Exame de Ordem.

Aqui eu ressalto um ponto muito curioso.

Nunca vi um detrator dos cursos preparatórios assumir que fez uma péssima faculdade. Elas, as faculdades, responsáveis pela formação dos bacharéis e, que em tese, deveriam proporcionar a educação adequada, suficiente e necessária para seus alunos passarem na prova SEM cursinho, não entram no jogo. Não têm culpa.

Aliás, cada vez mais se torna forte um fenômeno: as faculdades em peso estão montando cursinhos preparatório para a prova DENTRO de suas instalações, ou fazem parcerias com cursos para que esse preparo seja ofertado, tentando assim melhorar seus próprios índices de aprovação na prova.

Curioso, não é?

Os cursos preparatórios para a OAB prestam um SERVIÇO aos estudantes. Nada além disso!

Ninguém precisa passar por um cursinho para fazer o Exame de Ordem e receber, ao final, a carteirinha. Curso preparatório para a OAB não é requisito formal para rigorosamente nada!

E quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha? Ou melhor, o Exame de Ordem ou os cursos?

O Exame, é claro! Os cursos são exclusivamente resultado da prova da OAB, criados para atender a uma demanda dos próprios candidatos, dos candidatos que buscam por EDUCAÇÃO, e, nos cursos, encontram o que precisam para atender a um propósito específico.

Chamar os cursos preparatórios de "exploradores dos candidatos" não passa de uma visão equivocada da realidade. Quem dá educação não pode receber tal adjetivação.

Procurem advogados, qualquer um, e vocês verão que a maioria deles fez um curso, e que TODOS os que fizeram são GRATOS aos seus professores do cursinho.

E o dinheiro usado para pagar o curso é visto como tendo sido um INVESTIMENTO e não um gasto. São suas coisas absolutamente distintas.

Faz curso quem quer. Simples assim. Curso preparatório para o Exame de Ordem não é obrigatório. Longe disso!

Cada um sabe onde o calo aperta e o que precisa para atingir seus objetivos.

Educação tem preço. A cada um cabe determinar para si mesmo se esse preço representa um custo ou um investimento.

O resultado ao final responderá.