Sexta, 26 de outubro de 2012
Seguem importantes considerações sobre o cabimento tanto do REsp quanto do RE na prova de Direito Constitucional, elaborados pela professora Flávia Bahia:
FUNDAMENTAÇÃO PARA ACEITAÇÃO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO E DO RECURSO ESPECIAL NA PEÇA PRÁTICA DO VIII EXAME UNIFICADO ? DIREITO CONSTITUCIONAL
Profª. Flavia Bahia Complexo de Ensino Renato Saraiva ? Portal Exame de Ordem
PARTE I ? RESUMO DO CASO
O caso trazido à análise é o de José, que ajuizou uma ação popular pleiteando a anulação de ato de governo local e pagamento de perdas e danos, ato este baseado na previsão da lei estadual 1234, do Estado Y, que previa a dispensa de licitação às entidades de direito privado da administração pública (sociedades de economia mista e empresas públicas), contrariando disposição da lei federal 8.666/1993, Lei de Licitações, que prevê a necessidade de licitação à todos os órgãos integrantes da administração pública direta e indireta, sejam de direito público ou privado.
De acordo com o enunciado, é informado que a sentença julga o pedido da ação popular improcedente (anulação do ato de governo local) e confirma a validade da lei estadual 1234, analisada em face da lei federal 8.666/93, não considerando violados expressamente os princípios constitucionais invocados.
José interpõe recurso de apelação, ao qual se negou provimento, por unanimidade, pelo mesmo fundamento levantado na sentença, qual seja, a validade da lei estadual em face da lei federal 8666/93.
Ainda em sede do Tribunal de Justiça do Estado Y, encontramos a informação de oposição de embargos de declaração contra o referido acórdão, sem, no entanto, trazer a informação do objeto e propósito desses embargos declaratórios, que podem ser interpretados com a finalidade de prequestionamento (requisito de admissibilidade tanto do recurso extraordinário quanto do recurso especial).
PARTE II ? DECISÃO IMPUGNADA PELO RECURSO
De acordo com o exposto no Resumo do Caso, José procura um advogado para assumir a causa e ajuizar uma medida adequada, qual seja: um recurso que pretende impugnar o acórdão do Tribunal de Justiça do Estado Y, que confirmou a validade da lei estadual em face da lei federal 8666/93.
PARTE III ? RECURSOS CABÍVEIS
Segundo o acima exposto, o advogado de José poderia ter adotado os dois recursos, abaixo indicados:
a) interpor recurso extraordinário ao STF, buscando tanto a invalidade da lei local 1234, contestada em face da lei federal 8.666/93, fundamentando-se no art. 102, III, ?d?, bem como, para alegar a violação à própria Constituição Federal (art. 37, XXI e princípios do art. 37, caput), conforme previsão do art. 102, III, ?a?, da CRFB/88.
b) interpor recurso especial ao STJ, buscando a uniformização na interpretação e na aplicação da lei federal 8.666/1993, extirpando disposições que a contrariam (caso da lei estadual 1234), fundamentando-se no art. 105, III, a da CRFB/88.
PARTE IV ? PREVISÃO LEGAL
A própria legislação processual civil prevê a possibilidade de apresentação simultânea de ambos os recursos, conforme se observa abaixo: Art. 541. O recurso extraordinário e o recurso especial, nos casos previstos na Constituição Federal, serão interpostos perante o presidente ou o vice-presidente do tribunal recorrido, em petições distintas, que conterão: (...).
De forma mais específica, os dispositivos a seguir transcritos, reforçam esse posicionamento: Art. 543. Admitidos ambos os recursos, os autos serão remetidos ao Superior Tribunal de Justiça. (grifamos) § 1o Concluído o julgamento do recurso especial, serão os autos remetidos ao Supremo Tribunal Federal, para apreciação do recurso extraordinário, se este não estiver prejudicado. § 2o Na hipótese de o relator do recurso especial considerar que o recurso extraordinário é prejudicial àquele, em decisão irrecorrível sobrestará o seu julgamento e remeterá os autos ao Supremo Tribunal Federal, para o julgamento do recurso extraordinário. § 3o No caso do parágrafo anterior, se o relator do recurso extraordinário, em decisão irrecorrível, não o considerar prejudicial, devolverá os autos ao Superior Tribunal de Justiça, para o julgamento do recurso especial.
PARTE V ? RELATIVIZAÇÃO DO PRINCÍPIO DA UNIRRECORRIBILIDADE RECURSAL (OU DA SINGULARIDADE)
O princípio da singularidade (ou da unirrecorribilidade), em regra, impede que uma das partes interponha mais de um recurso em face de uma única decisão judicial.
Tal princípio, também conhecido como unicidade, existe para evitar que, contra uma mesma decisão judicial, sejam interpostos recursos variados, o que macularia a uniformidade do sistema processual. No entanto, nas palavras de Cândido Rangel Dinamarco, é possível que a decisão possua capítulos distintos, cada qual com o seu vício próprio ou ainda um capítulo apenas, mas com vícios diferentes (Capítulos de Sentença, 1ª ed. Malheiros). Nesse caso, pela regra, seria cabível um recurso de cada vez. Basta pensar na hipótese de uma sentença eivada de obscuridade e error in judicando, por exemplo. Caberia primeiramente embargos de declaração para atacar a obscuridade, interrompendo-se o prazo para a interposição de apelação (art. 538, CPC), que só será interposta após o julgamento dos embargos de declaração.
Situação oposta (e excepcional, frise-se) ocorre quando a decisão possui simultaneamente vícios impugnáveis por recurso especial e recurso extraordinário, quando o CPC determina que ambos os recursos sejam interpostos concomitantemente, sob pena de preclusão consumativa.
Na doutrina, é pacífico o entendimento aqui esposado. Por todos, consulte-se a obra clássica de Humberto Theodoro Jr (Curso de Processo Civil, Ed. Forense, 2011, p. 688), que entende: ?um só acórdão pode incorrer tanto nas hipóteses do recurso extraordinário, como nas de recurso especial, inclusive, caso isso aconteça, o prazo de 15 (quinze) dias será comum para a interposição de ambos os recursos?.
PARTE VI ? JURISPRUDÊNCIA SOBRE O CABIMENTO DOS DOIS RECURSOS
A jurisprudência também é favorável à possibilidade de propositura de ambos os recursos, como deduzimos das decisões abaixo apresentadas.
a) STJ, AgRg nos EDcl no AREsp 147. 429. (J. 04/09/2012)
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EMPRESA COMERCIANTE DE PRODUTOS AGROPECUÁRIOS E VETERINÁRIOS. REGISTRO NO CONSELHO DE MEDICINA VETERINÁRIA. NÃO-OBRIGATORIEDADE. ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE ORIGEM EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DOMINANTE DO STJ. 1. Em relação aos arts. 28, da Lei n. 5.517/68, 1º, 2º e 8º, do Decreto-Lei n. 467/69, 2º, d, do Decreto n. 64.704/69, e 18, § 1º, do Decreto n. 5.023/2004, bem como no que diz respeito aos arts. 10 e 863 do Regulamento da Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal - R.I.I.S.P.O.A., este Tribunal Superior não se deve pronunciar sobre as referidas normas jurídicas, já que não foram mencionadas anteriormente à interposição do recurso especial. Quanto a tais normas, falta o indispensável prequestionamento viabilizador do acesso a esta instância especial, circunstância que atrai a incidência analógica das Súmulas 282 e 356 do STF. 2. Sobre a alegação de inconstitucionalidade/ não-recepção da parte final do art. 1º da Lei n. 6.839/80, o recurso especial é inviável, já que o exame de alegações de tal natureza compete ao STF em sede de recurso extraordinário, recurso que, no caso, não foi interposto simultaneamente na origem. 3. Não procede a alegada violação dos arts. 5º, 6º e 27 da Lei n. 5.517/68; muito pelo contrário, o acórdão do Tribunal de origem está em consonância com a jurisprudência do STJ, que se firmou no sentido de que a empresa que se dedica ao comércio de produtos agropecuários e veterinários não está obrigada ao registro perante o Conselho de Medicina Veterinária. Precedentes citados. 4. Agravo regimental não provido. (grifamos).
b) STF, AI 769469 RS (J. 30/08/2011)
EMENTA Agravo regimental no agravo de instrumento. Processual civil. Questão decidida no Segundo Grau. Ausência de interposição de recurso extraordinário concomitantemente ao recurso especial. Preclusão. Precedentes.
1. Não se admite recurso extraordinário interposto contra acórdão do Superior Tribunal de Justiça no qual se suscita questão constitucional resolvida na decisão de segundo grau. 2. Agravo regimental não provido. (grifamos)
PARTE VII - CONCLUSÃO
Diante do caso apresentado pela banca e dos argumentos acima indicados, é perfeitamente admissível a interposição tanto do recurso extraordinário quanto do recurso especial, com fundamento nos arts. 102, III, ?a? e ?d? e 105, III, ?a?, ambos da CRFB/88.
Ademais, importante destacar que o caso concreto não traz dados minuciosos sobre a situação proposta que poderiam excluir a propositura de um dos dois instrumentos recursais e, tendo em vista a fundamentação apresentada, o caminho adequado e razoável é a aceitação de ambos, beneficiando um maior número de candidatos, que apresentaram um excelente raciocínio jurídico, quer pela apresentação de um ou de outro recurso.
Salvo melhor juízo, entendemos ser essa a solução mais razoável para o caso apresentado: aceitação do recurso extraordinário e do recurso especial.