Advogados debatem proposta da Câmara sobre fim do Exame de Ordem

Quarta, 2 de setembro de 2015

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Os projetos de lei relacionados à advocacia que tramitam hoje na Câmara dos Deputados visam afrontar a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e os seus dirigentes. Essa é a opinião dos advogados que debateram, na noite da segunda-feira (31/8), as propostas legislativas relativas à advocacia, na seccional baiana da OAB.

De acordo com o ex-presidente da OAB do Rio de Janeiro, atual deputado federal Wadih Damous, cerca de 20 projetos sobre o Exame de Ordem tramitam na Câmara. Para ele, os parlamentares que querem acabar com o Exame não têm ?qualquer tipo de preocupação com os bacharéis?. ?Não há uma afirmação, do ponto de vista jurídico e da cidadania, que justifique esses projetos?, acrescentou, destacando que há um ?risco concreto? de a prova ser revogada na Câmara.

O advogado e diretor da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Celso Castro, disse que o Exame da Ordem é um ?antídoto? contra a criação ?desmesurável? de cursos jurídicos. Destacou, também, que se a OAB tivesse interesse em lucrar com o Exame, seria mais vantajoso não ter a avaliação, uma vez que haveria mais advogados no mercado, o que aumentaria a receita da entidade.

?Nós sabemos que os concursos para delegado de polícia, juiz e Ministério Público são rigorosos, e se tivermos advogados que não sabem fazer a contrapartida, porque não fizeram nenhuma triagem, eles se tornarão vítimas fáceis das posições antagônicas?, analisou Castro, avaliando que ?os advogados criminalistas estão vivendo um momento difícil e, se eles não forem qualificados suficientemente, sucumbirão, e junto com eles o direito da parte?.

?Quando alguém lida com a defesa da liberdade, do patrimônio, da dignidade humana, nós estamos entregando em mãos hábeis e inábeis o destino de muitas pessoas. Então, quando defendemos as prerrogativas do advogado estamos defendendo a sociedade?, pontuou, afirmando ser a favor de que se crie curso específico para qualificar os advogados.

O conselheiro federal Rui Medeiros endossou a posição dos advogados Wadih Damous e Celso Castro. Segundo ele, 62% dos estudantes de ensino superior hoje são de faculdades privadas. Parte considerável, diz o conselheiro, não oferece ensino de qualidade e, por isso, tem pressionado para pôr fim à prova da OAB. ?O Exame da Ordem não é concurso público. Ele está aferindo o seu próprio conhecimento. Lutaremos pelo Exame até termos um ensino superior de qualidade?, disse.

Risco de sujeição

Outro projeto de lei, em tramitação na Câmara, é o controle externo da OAB. Para o professor Celso Castro, a prestação de contas pela entidade é importante, mas esse controle não deve ser feito por um órgão estatal, como o Tribunal de Contas. Isto, segundo ele, para não ?estabelecer uma situação de sujeição da entidade?. ?Quando se diz: ou você cala a boca, ou eu rejeito suas contas, é um perigo para sociedade?, ponderou.

Na mesma linha, o conselheiro Rui Medeiros lembrou que houve uma proposta semelhante a essa no governo ditatorial de João Figueiredo. ?Nosso grito foi tamanho que eles não conseguiram, mas, será que esse pessoal não vai conseguir nos impor uma mordaça??, questionou. ?Não me surpreenderei.?

O conselheiro ainda criticou o projeto de lei que cria a carreira dos ?paralegais?, profissionais formados como bacharéis que poderão atuar na área jurídica sob responsabilidade de um advogado. ?Esses profissionais serão eternos estagiários nos escritórios de advocacia?, avaliou.

Sobre a proposta da Câmara que institui a eleição direta para a diretoria do Conselho Federal, o advogado Wadih Damous se manifestou a favor, mas destacou que é preciso ter um diálogo da Câmara com a OAB. ?[O projeto] Não pode ser usado como algo de confronto contra a Ordem dos Advogados do Brasil?, afirmou.

Fonte: Conjur

Wadih Damous, ex-presidente da OAB/RJ, é uma espécie de representante direto da OAB na Câmara dos Deputados. Em várias oportunidades já apareceu defendendo os interesses da Ordem. Para ele falar que há um risco concreto do Exame cair, é porque a leitura dele do cenário como um todo é bem preocupante.

Está na hora do CFOAB abrir uma cruzada contra essa tentativa de se enfraquecer a advocacia e, em última instância, até mesmo o Poder Judiciário.

Nesta semana o professor e advogado Fernando Falcão, em uma entrevista à Rádio Jovem Pan de Maceió, sustentou algo que já venho afirmando há um bom tempo: que o fim do Exame de Ordem vai paralisar o Poder Judiciário.

Confiram a entrevista dele (a partir do minuto 2:14):

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Supermanhã - O advogado Fernando Falcão diz que fim do exame paralisará justiça

Não é possível pensar de forma diferente. O sistema jurídico não terá como suportar o fim do Exame de Ordem.

O fim do Exame impactaria da seguinte forma no Poder Judiciário:

A) Paralisação imediata da 1ª instância das Justiças em todo o país, com a super-ofertação de lides de forma indiscriminada por profissionais ávidos por sobreviver em uma ambiente extremamente saturado.

Considerando verdadeiros os dados da existência de três a quatro milhões de bacharéis em Direito sem carteira, o número de advogados no Brasil, em tese, quadruplicaria da noite para o dia. Provavelmente nem todos os bacharéis iram requerer a inscrição na OAB, mas certamente mais de um milhão destes iriam desejar adentrar na advocacia, e isso em uma estimativa extremamente conservadora.

A saturação do mercado derrubaria drasticamente os valores dos honorários e dos salários pagos aos advogados em toda a cadeira profissional. Teríamos a precarização absoluta do exercício da profissão.

B) Destruição sistemática os direitos subjetivos de milhões de pessoas, mal-atendidas por profissionais que sequer dominam os rudimentos da língua pátria, afora a precariedade do domínio dos instrumentos técnicos-legais

Muitos dizem, e o dizem por absoluto desconhecimento da realidade, que o mercado selecionaria os melhores. O problema reside no lapso de tempo para a implementação de tal seleção. E este é o aspecto menos preocupante da questão.

A seleção pelo mercado implicaria na pulverização dos direitos subjetivos do jurisdicionado. Ser escolhido ou não pelo mercado implica necessariamente em expor as pessoas aos serviços de profissionais tecnicamente inábeis.

Esse seria o preço da liberalização. Não é resultado do acaso, ou mero capricho corporativo a elevada regulamentação para a prática da advocacia. Sem o advogado o Poder Judiciário não funciona, não há prestação jurisdicional e não há Justiça. Assegurar a averiguação de um mínimo de conhecimentos é um papel fundamental para a OAB em nome da regularidade e funcionamento de todo o Poder Judiciário.

C) Descrédito da profissão de advogado e da capacidade da Justiça em dar a prestação jurisdicional. Risco sistêmico de explosão da autotutela (justiça com as próprias mãos).

Com a quebra da confiança na figura do advogado e a explosão do número de demandas, decorrentes da saturação do sistema como também da luta desesperada pelo sobrevivência dos advogados, o Poder Judiciário inevitavelmente ruiria.

Um simples aumento de 30% no número de demandas seria suficiente para paralisar todas as primeiras instâncias do Brasil de plano, e em pouquíssimo tempo os tribunais. E aqui assumo que um aumento de 30% das demandas como um percentual altamente conservador.

Se o sistema jurisdicional para, se a profissão de advogado entra em descrédito, se o estado não consegue oferecer a justiça aos seus cidadãos, o papel desempenhado pelo Poder Judiciário deixaria de representar seu papel. E, neste caso, o jurisdicionado, passaria a buscar em si mesmo a solução de seus conflitos: a explosão desenfreada da autotutela e seus consectários de desestabilização social.

Pode parecer uma perspectiva radical e exagerada, mas não é. Sem o Poder Judiciário, emperrado e inoperante, a pacificação social decorrente da prestação jusrisdicional é mero corolário lógico. O Estado não pode se fazer ausente! O Estado tem de ser operacional e tem de desempenhar seu papel. A saturação do sistema leva inexoravelmente à paralização das funções da Justiça.

Inevitável.

D) Hipertrofia descontrolada da estrutura do Poder Judiciário, aumentando de forma dramática os custos com este Poder, que terá de crescer para atender as demandas, afetando gravemente o orçamento da União e os aspectos macroeconômicos da economia.

Uma reação, obviamente, seria esboçada, mas a um preço exorbitante e impossível de calcular. O Poder Judiciário transforma-se-ia em um colosso desproporcional para atender a uma nação de causídicos, a maior do mundo. Isso geraria um impacto substancial no orçamento da União, com um correlato aumento da carga tributária.

Afinal, o Estado não pode se fazer ausente...

Acredito convictamente que o fim do Exame de Ordem representará a implosão completa do Poder Judiciário e a destruição da profissão de advogado, sem contar o grave impacto nos direitos de milhões de brasileiros, leigos, incapazes de distinguir e selecionar o joio do trigo.

Não me surpreenderia, dentro deste contexto futuro e hipotético, se cuspir no chão ou enfiar o dedo no nariz não se transformariam em crime para atender às necessidades profissionais de uma legião de quatro milhões de advogados.

Provavelmente sim.

A OAB precisa agir de forma enérgica nesta questão.