Advogado reclama nas redes sociais de escritório que oferecia vaga com baixo salário e é processado por danos morais

Quarta, 27 de janeiro de 2016

Acabei de ver no Migalhas uma matéria muito curiosa sobre a realidade do mercado de trabalho na advocacia hoje. Um advogado está sendo processado por um escritório de advocacia por ter questionado em um grupo no facebook sobre o valor ofertado como salário: de R$ 1 mil a R$ 2 mil.

O local de trabalho seria a cidade de Campinas/SP, e o anúncio foi feito nos seguintes termos:

"Advogado cível, com experiência, pós-graduação e fluência em língua estrangeira."

O caso teve início em 6 de novembro, quando a crítica foi publicada no grupo do facebook "Advogados de Campinas e Região". O advogado questionou o valor da oferta salarial, disse estar indignado com a desvalorização da profissão, chamou os proprietários do escritório de exploradores e exigiu que a OAB fiscalizasse oferta de emprego com pagamento abaixo do piso salarial.

Um dos estagiários do escritório, em resposta ao comentário, disse que o valor havia sido um engano, e que a faixa salarial, na verdade, oscilava entre 2 e 3 mil reais. na decisão em que deferiu a antecipação de tutela para a retirada dos comentários, o juiz da causa assim traduziu o imbloglio;

'Contudo, após desmentido que tal anúncio refletia a realidade da oferta de emprego (fl. 60) o demandado continuou e intensificou seus ataques com o quê, repise-se, no juízo de cognição sumária aqui permitido, extrapolou sua esfera de direitos, afrontando a do autor.

Principiou por desqualificar as condições do estágio do seu interlocutor junto ao autor, imputando a este "violações de direitos trabalhistas"; refutou haver erro de digitação "e, cá entre nós, erro de digitação coisa nenhuma"; disse que o regime de contratação de advogado autônomo pelo autor era "uma grande palhaçada, uma explícita violação de direitos trabalhistas"; etc.

Note-se que a partir do desmentido do anúncio, o discurso do demandado passa a apresentar contradições, eis que ao mesmo momento em que procura dar ares de generalidade às suas críticas, o que seria válido, continua a proferir ataques diretos ao autor, sem lhe dar sequer o benefício da dúvida.

Nos comentários de fl. 65 e seguintes a discussão se inicia pelas teses defendidas, mas caminha uma vez mais para a imputação de condutas ao autor.

Há colocações como "não estou aqui criticando a postura do IC" referindo-se ao autor, mas seguidas de afirmações como "e não me venha com esta conversa de que se trata de um erro. Conheço a realidade, Doutor!" referindo-se ao anúncio; "se há erro (o que tenho absoluta certeza que não ocorreu, pois os salários praticados e o regime de contratação são estes mesmos)" (fl. 65); "Portanto, que tenha sido erro de digitação (o que, mais uma vez, não acredito), ainda assim o escritório está errando e prejudicando a classe" (fl. 68).'

Os sócios do escritório, após 3 dias, moveu ação com pedido de indenização de R$ 50 mil e o pedido para a retirada dos comentários, em tutela antecipada, o que foi deferido pelo juízo, no prazo de 10 dias.

A decisão pode ser visualizada AQUI.

Não vou adentrar no mérito do escritório ter oferecido ou não um salário baixo, mesmo que de forma equivocada, e nem mesmo em seu direito de se valer do Judiciário para buscar a reparação que julga devida.

Esse não é o ponto.

O ponto é que o mercado NUNCA está errado. Gostemos ou não, os valores ofertados geralmente fazem parte de um consenso tácito entre empregadores e empregados. Se um empregador faz uma proposta, e encontra eco no mercado, o valor ofertado é válido como proposta.

Configura uma exploração oferecer um valor baixo? Na realidade, os próprios empregados que aceitam os valores baixos fazem a lógica do sistema, aceitando os valores. E o fazem porque existe uma multiplicidade de profissionais que estão no mesmo patamar em busca de um espaço no mercado. ?Ser igual? aos demais, em termos de percepção dos empregadores, gera os baixos salários. O mercado também busca profissionais mais qualificados e se propõe a pagar mais, mas para isto o profissional precisa agregar valor a si mesmo, qualificando-se, ganhando experiência, estabelecendo uma diferença entre os demais atores do mercado.

A oferta e a procura, como lógica de alocação de interesses, não falha. Ela reflete, exatamente, como o mercado está posicionado, e reflete, em especial, as distorções do próprio mercado. Por exemplo, os valores ofertados são baixos porque o país não planejou direito a expansão do número de faculdades de direito. O número de bacharéis despejados no mercado é tão grande que aumenta ferozmente a procura, e isso projeta os valores para baixo. Todo empregador quer reduzir custos, e certamente maximizar o próprio lucro ? essa é a lógica do capitalismo ? e vai contratar exatamente o que precisa. Se há abundancia de mão-de-obra que faz o mesmo serviço, por que oferecer mais se oferecer menos resolve o problema?

Vamos ser sinceros com esse tema. O mercado não tem culpa dos valores baixos, mas sim o Estado. Ele, o Estado, não regulou bem a liberação de vagas nos cursos de direito, e a economia cambaleante do país não ajuda a absorver a nova mão de obra, gerando os atuais valores ofertados.

O contexto é complexo e há muitos autores para dividir a ?culpa? pela atual realidade, entre eles empregadores, os próprios empregados, o Estado e a condução da economia.

Compreender isto, e saber se posicionar, é o caminho para poder fugir desta lógica.