A prova da OAB e o Mercado - O aspecto econômico do Exame de Ordem

Quinta, 1 de julho de 2010

Recebi um e-mail de uma amiga avisando-me sobre um debate que está sendo travado na comunidade do Orkut voltada para a OAB/DF, sob o título Desabafo de uma recém formada.

A essência do debate gira em torno do post de abertura:

Colocação no mercado de trabalho e o jovem advogado é um assunto recorrente em qualquer gestão das seccionais, principalmente no período eleitoral, afora o fato de cada seccional possuir sua Comissão de Apoio ao Advogado Iniciante.

Isso não surpreende, pois os jovens advogados formam um numeroso grupo dentro da classe.

Uma das principais queixas no debate na Comunidade da OAB/DF, afora a dificuldade na colocação profissional, são os baixos valores pagos aos advogados empregados.

Recentemente publiquei no Blog um post sobre um anúncio nos classificados do Correio Braziliense sobre uma oferta de emprego para jovens advogados:

"ADVOGADO ASSISTENTE PARA AÇÕES de cobrança salário R$ 850 + vt + va"

Lembro-me que no ano passado eu publiquei outra postagem, no antigo Blog, sobre um outro anúncio nos classificados online Correio Braziliense, com um conteúdo verdadeiramente chocante:

"Oferta de emprego Oferta publicada em 12/07

Nível Superior

Produto/Serviço: MOTOBOYCOMOAB Preço:

ESCRITÓRIO ADVOCACIA MOTOBOY COM OAB contratamos. Interessados enviar curriculo para XXXXXXXXXXXX@gmail.com"

Motoboy com OAB! Antes tivessem escrito Advogado com moto. Verdadeiro sinal de áridos tempos.

O debate na comunidade da OAB/DF continua, com vários advogados reclamando da falta de apoio da OAB/DF, da ausência de um piso salarial para a classe e da dificuldade de inserção no mercado profissional. Há um momento em que até o presidente da Comissão de Apoio ao Advogado Iniciante da OAB/DF, Dr. Délio Lins e Silva Júnior, entra na discussão:

Independente dos posicionamentos das gestões das seccionais, meu interesse era demonstrar a atual realidade do mercado para os advogados. Apesar de serem opiniões referentes ao Distrito Federal, acredito que as dificuldades são similares a todas unidades da federação.

Esse debate serviu como pano de fundo para uma consideração muito relevante feita pelo Dr. Fabrício Mota. Vejamos a interessante abordagem do problema proposta por ele:

"é a lex mercatoria que impera... O sistema remuneratório da iniciativa privada segue um princípio básico do capitalismo: o valor está na raridade. A regra é simples até... Muitos advogados no mercado = remunerações mais baixas."

"muitos dos membros de qualquer administração (passada e presente) são donos de escritórios. Portanto, somente a pressão "popular" (no caso aqui, do eleitorado da OAB) é que pode mudar essa situação."

"sempre que a remuneração é regulada por atos normativos, o mercado também se adapta a essa intervenção no domínio econômico: piso salarial, logo que implementado, fatalmente gera mais demissões, maior enxugamento de estrutura, condições de trabalho mais cruéis para os que "sobrevivem" no emprego"

Essas observações, feitas com propriedade, demonstram um embate entre o "sistema" (o mercado), e as necessidades dos jovens advogados. Criar um piso, por força de normatização, necessariamente geraria um impacto no orçamento dos escritórios, dos empregadores, e isso implicaria em demissões como refleto de ajustes para se equilibrar a balança contábil.

Remuneração baixa é a regra em um mercado saturado.

Além disso, como profissionais liberais, os advogados competem entre si pelo jurisdicionado, acarretando nas implicações naturais de qualquer competição - concentração / exclusão de mercado.

E o Exame de Ordem está exatamente na raiz desse debate.

Isso porque a competição, e seu inerente sistema de exclusão, já se inicia no próprio Exame da OAB. Pois se o advogado sente na pele as dificuldades da inclusão profissional, o que falar dos bacharéis que ainda não conseguiram passar pelo Exame?

Indo além - como a OAB, órgão de classe dos advogados, estabelece o grau de dificuldade do Exame de Ordem diante das necessidades do mercado e  em face das demandas dos advogados? A resposta é uma só: dificultando ao máximo a prova. E o faz pela própria lógica do sistema, visando mantê-lo operacional.

Como os advogados (eleitorado da OAB) se posicionam em relação aos bacharéis? Recentemente escrevi uma postagem sobre um artigo publicado no site da OAB/DF, retratando a opinião de jovens advogados que recém receberam suas carteiras. Nada mais emblemático:

Nas solenidades de entrega, na sede da seção DF, os profissionais defenderam a exigência do Exame de Ordem. O novo advogado José Sanderley da Silva destacou que a prova é importante por fazer uma seleção. ?Há muitas faculdades que abrem um curso de direito visando apenas ao lucro. O Exame da OAB acaba sendo um divisor de águas para colocar no mercado só os mais bem preparados?, argumentou.

Um dos paraninfos das turmas de novos advogados, o deputado distrital Chico Leite, também ressaltou a importância da prova para o ingresso na OAB. ?Qualquer mudança no Exame deve ser para aprimorá-lo, aperfeiçoá-lo, jamais extingui-lo. É um filtro fundamental, por selecionar aqueles que querem cumprir sua missão de defender os direitos subjetivos e a ordem jurídica.?

A nova advogada Ana Carolina Coelho Araújo passou no Exame de Ordem na primeira tentativa. Segundo ela, a prova é difícil, mas para passar basta se dedicar ao curso de direito. ?Quem reclama não está capacitado, tem de estudar?

Uma prova difícil, mais do que um controle do mercado para os advogados, representa a própria sobrevivência política da OAB. Qual gestão suportaria a pressão de dezenas de milhares de advogados com dificuldades de colocação profissional? Que gestão lutaria por um teto salarial para atender demandas que o mercado jamais conseguiria suportar?

O bacharel em Direito quer entrar; o advogado não quer deixar. Entre ambos, a disputa pelo mercado.

Essa é a lógica do Exame.

Hoje a corda arrebenta para o lado dos bacharéis em Direito, porquanto estes têm menos força política e de mobilização, elementos que não faltam para a Ordem.

A OAB diz que não faz reserva de mercado. De fato o termo não é reserva, pois presume um aspecto discriminatório, mas o Exame de Ordem estabelece um controle econômico do mercado da advocacia, restringindo o número de profissionais habilitados em prol daqueles já pertencentes ao sistema, e, naturalmente, dotados de força de mobilização política dentro da instituição.

Esse controle é indispensável para a OAB, pois se trata de uma questão de sobrevivência da classe, além da manutenção da regularidade do sistema, tanto para o jurisdicionado como para a estabilidade política da instituição.

A lógica que norteia a OAB faz sentido dentro de uma lógica econômica, justificada por um discurso jurídico/ideológico.

Existe solução para isso?

Não vejo a OAB abrindo mão do Exame.

Não vejo os advogados compartilhando alegremente o mercado com mais advogados.

Não vejo os bacharéis desistindo da luta para ingressar na advocacia.

Não vejo faculdades de Direito sendo fechadas, e se forem, não deixarão de lutar ferozmente por sua sobrevivência.

A questão é muito complexa e tende a se alastrar. Por exemplo, o Conselho de Contabilidade agora também pode impor seu próprio exame de classe, muito provavelmente espelhado nas mesmas necessidades da OAB.

Quem quiser participar do debate na comunidade da OAB/DF clique AQUI.