A pegadinha na peça prática da prova de Direito Empresarial

Terça, 26 de fevereiro de 2013

Hora de começarmos a falar dos problemas da prova do último domingo. Afinal, o Exame de Ordem sempre tem uma emoção reservada para os examinandos. Vamos dar uma conferida em um dos enunciados problemáticos da vez: o da prova ade Direito Empresarial.

Inúmeros candidatos estão reclamando deste enunciado. Segundo eles, da decisão que recebeu a caução também caberia uma apelação, e não somente um agravo de instrumento.

Muito bem, vamos pensar o enunciado a as perspectivas.

O grande ponto é: que decisão foi essa que recebeu a caução? Foi definitiva de mérito ou meramente interlocutória?

Vamos logo para a justificativa para a escolha, pelos gabaritos extraoficiais, do agravo de instrumento como solução processual correta: o enunciado não fala em sentença!

Simples assim: o enunciado não diz sentença.

Diz apenas que o pedido de caução real foi imediatamente atendido, sem explicitar a natureza da decisão. Se não estava claro que era sentença, seria então uma interlocutória.

E há um adendo a isto. O parágrafo final do enunciado trata da competência para receber o recurso proposto no problema:

"Suponha que o Tribunal de Justiça do Acre possui cinco Câmaras Cíveis, cinco Câmaras Criminais, nenhuma vice-presidência, e uma Presidência cuja competência seja distribuir quaisquer recursos para apreciação em 2º grau de jurisdição."

Esse parágrafo final é decisivo para termos uma maior convicção sobre o tipo do recurso desejado pela FGV como o correto. Pois a petição de apelação é dirigida ao juízo que deu a sentença, enquanto o agravo de instrumento, por força do art. 524 do CPC, é endereçado diretamente para o Tribunal.

Este é um ponto importante! 

Pois bem.

Vamos agora entender a natureza dessa decisão pretensamente interlocutória.

Ponto 1: na ação da Lei 11.101/05, caso o devedor, em sua contestação, apresente o valor cobrado na inicial, mais juros, correção monetária e honorários advocatícios, fazendo-o em DINHEIRO, o juiz simplesmente pode extinguir o processo com julgamento de mérito, fazendo-o por sentença.

E por que falo em dinheiro? Vamos ver a letra da lei:

Art. 98. Citado, o devedor poderá apresentar contestação no prazo de 10 (dez) dias.

Parágrafo único. Nos pedidos baseados nos incisos I e II do caput do art. 94 desta Lei, o devedor poderá, no prazo da contestação, depositar o valor correspondente ao total do crédito, acrescido de correção monetária, juros e honorários advocatícios, hipótese em que a falência não será decretada e, caso julgado procedente o pedido de falência, o juiz ordenará o levantamento do valor pelo autor.

"Depositar o valor" significa depositar dinheiro.

Ponto 2: o problema, entretanto, não falou em caução em dinheiro, e sim em uma caução real, ou seja, um bem dado como garantia, seja um carro ou um imóvel. Neste caso, o juiz da causa, ao perceber que a empresa não apresentou uma caução em dinheiro, conforme exige a própria lei, poderia sentenciar também ali mesmo, decretando a falência.

-----

E agora? Que raios de decisão é esta?

Ela pode ser perfeitamente uma decisão interlocutória, porque nada foi dito pelo fim do processo, assim como também foi aduzido que o juízo só havia abordado aquele e unicamente aquele pedido (e aqui estou presumindo a existência de outros pedidos), como também pode ser uma decisão de mérito, pois, se a caução real foi aceita (ainda que de maneira indevida), o juízo poderia ter extinguido a ação em função do adimplemento, ou, se não foi aceita, ele poderia também ter decretado a falência em razão da empresa "XYZ" não haver demonstrado sua solvência.

Ufa!

Fácil de entender?

Moral da história: se esse enunciado não foi uma tremenda pegadinha, ele foi mal-elaborado.

Eu acho que a decisão foi realmente interlocutória, pois o enunciado não disse que era, exatamente, uma sentença, além da questão da competência para receber o recurso, mas também não posso dizer que NÃO foi uma sentença.

Pergunta-se: é  possível punir com a reprovação quem entendeu que era uma sentença?

Com um enunciado desprovido de clareza, a resposta é NÃO!

Se o enunciado é categórico, claro, o examinando não teria direito ao choro, mas da forma como foi apresentado o examinando tem de ADIVINHAR a natureza da decisão.

Convenhamos...ter de adivinhar algo dentro da prova é brincadeira!

Isso, meus caros, nós chamamos de pegadinha. Enunciado concebido para reprovar.

O candidato que PENSOU juridicamente sai muito prejudicado dentro desse sistema. Porque ele pensa a natureza da decisão, e não mera nomenclatura.

No mundo real, de verdade, é evidente que o advogado teria lido a decisão e saberia perfeitamente se posicionar. Tal como está na prova, sem a devida clareza, fica difícil exigir que se ADIVINHE a peça correta.

Não pode medir a aptidão do candidato para o exercício para a advocacia desta forma. É brincadeira!

A prova é para advogado, e não para presdigitador

Tentar derrubar os candidatos usando da astúcia e de pegadinhas não é exatamente uma novidade no Exame de Ordem. Os enunciados tem de ser claros, as decisões a serem atacadas, categóricas.

Olhem o enunciado da prova de Direito do Trabalho. Claro, conciso, com uma decisão manifestamente explícita. Por que esse padrão não é repetido em todas as provas?

Disso tudo só se pode tirar uma conclusão: examinandos aptos para o exercício da advocacia são penalizados com a reprovação.

É a essência do injusto.