A lógica da educação como business e o silêncio da OAB

Terça, 21 de janeiro de 2014

Deu na edição de hoje do Jornal do Comércio, de Porto Alegre:

Uniritter diz que demissões de docentes são readequação

Alvo de críticas nas redes sociais e em jornais, a demissão de 20 professores da Uniritter de uma vez só no fim de 2013 foi justificada como readequação do quadro pela reitoria da instituição. Desde que o centro universitário, com campi em Porto Alegre e Canoas, foi comprado pela Laureate do Brasil, pertencente a fundos de investidores internacionais, é a primeira vez que ocorre uma dispensa nesses moldes.

A informação da assessoria da Uniritter é de que foram abertas 80 vagas. O que mais gerou revolta de estudantes e Sindicato dos Professores do Ensino Privado do Estado (Sinpro/RS) foi o fato de que os demitidos tinham muito tempo de atuação (alguns com quase 25 anos de casa) e lecionavam em cursos que projetaram a fama da instituição, como Direito e Arquitetura e Urbanismo.

As dispensas provocaram protestos no Facebook (visualizados pela página oficial do centro universitário) e chegaram a ser citadas em formaturas, em manifestações de apoio aos ex-docentes. Estudantes e Sinpro/RS apontam ainda problemas como superlotação de salas de aula, infraestrutura do campus da Capital, que não comporta a expansão de matrículas (vagas em estacionamentos insuficientes e alto custo de serviço), carência de acervo em bibliotecas e cobrança de taxas que não ocorriam quando a Uniritter pertencia à família Ritter dos Reis.

(...)

Diretora do sindicato e professora da instituição, Cecília Farias aponta que havia o temor de demissões desde a compra, ante o perfil dos novos donos, ?que buscam rentabilidade?. Para Cecília, os casos mostram simples substituição. Ela lembra que o plano de carreira, acertado em 2013 com a direção, beneficiaria os mais antigos. ?Não há problema financeiro, em vez disso há pleno crescimento. Por que descartar professores antigos que ajudaram a construir o que é a Uniritter??, questiona. ?É muito doloroso ver quem tinha relação de muito respeito e parceria fazer isso. É expansão pela expansão?, lamentou a dirigente. (...)

Fonte: Jornal do Comércio

Nos últimos anos o setor de educação no país passou uma um intenso processo de concentração, com a compra de uma série de grupos educacionais por gigantes, tais como a Estácio, Anhanguera e o Kroton. Aliás, este último comprou a própria Anhanguera, em um negócio que tem o potencial, caso aprovado pelo CADE, de criar o maior grupo educacional do mundo.

Isso mesmo! Do mundo!

Kroton e Anhanguera se unem e criam maior grupo de educação do mundo

A companhia resultante dessa aquisição teria faturamento bruto de R$ 4,3 bilhões, cerca de um milhão de alunos e valor de mercado próximo a R$ 12 bilhões.

Uau!

Belo business!

Pressionada por esse novo cenário, a Estácio se sentiu "obrigada" a adquirir um outro grupo para "se manter no jogo" como um grande player:

União entre Kroton e Anhanguera forçou aquisição da Estácio

A aquisição da Uniseb foi feita pela bagatela de 615,3 milhões de reais, pagos em dinheiro.

Estamos falando aqui de business, e de business pesado.

E a lógica de todo business é uma só: lucro!

Bom, nada mais legítimo do que a busca pelo lucro em uma operação comercial realizada a partir de um negócio legítimo.É assim que funciona o mercado.

Mas educação pode ser parte de um grande business?

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A pergunta, dentro da NOSSA lógica (no Brasil), faz sentido, pois dentro desses processo de aquisição, ainda retratando a NOSSA lógica, a primeira coisa que fazem é conter despesas, e as primeiras cabeças a rolarem são, nada mais, nada menos, do que a dos professores mais qualificados, exatamente quem faz a fama de uma instituição e proporciona a melhor formação.

A notícia acima, de hoje, não surpreende, pois está e a lógica das aquisições:

Anhanguera demite 680 professores

Anhanguera realiza demissão em massa de professores mestres e doutores

Dentre os principais fundos controladores dessas instituições está, evidentemente, a Laureate, como também a Blackstone Fund e a Advent Internacional, todos grupos de investimentos estrangeiros que funcionam sob a mesma lógica: a ampliação máxima de lucros para propiciar retorno financeiro aos investidores.

http://www.laureate.net/

http://www.blackstone.com/

http://www.adventinternational.com/

Neste ponto faço duas perguntas:

1 - A qualidade da educação sobre um decréscimo em função dessa lógica educacional?

2 - Onde está o posicionamento da OAB em relação a este processo de concentração?

Quanto a primeira pergunta, a resposta é sim. Os fundos de investimento estrangeiros estão pouco se lixando para a qualidade da educação, e sim estão preocupados com a rentabilidade.

Um dos primeiros fenômenos observados quando uma aquisição deste porte ocorre é a demissão de dezenas, quando não centenas de professores, em regra, exatamente os mais custosos na folha de pagamento. Coincidentemente, estes são exatamente os profissionais que possuem mestrado ou doutorado.

Um exemplo: O Grupo Anhanguera, logo após adquirir a Uniban, universidade que tinha cerca de 50 mil alunos, demitiu cerca de 1500 professores:

A Anhanguera Educacional, maior universidade privada do país e que teve 76% do seu capital abocanhado por ?investidores estrangeiros?, anunciou nesta semana a demissão de 1.500 professores em São Paulo, mestres e doutores em sua grande maioria. O facão é seletivo, 80% são professores mais graduados e, por isso mesmo, mais caros. Já a abrangência dos cortes é nacional, com denúncias de demissões no Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul e Goiás, estados por onde a multinacional tem proliferado seus tentáculos.

?A prática da demissão de docentes antigos para a substituição por recém formados, a menor salário, pode trazer consequências negativas para a formação dos graduandos?, alerta o presidente do Sindicato dos Professores do ABC (Sinpro ABC), José Jorge Maggio, denunciando que ?a qualidade da educação na instituição está em decadência?. Apenas no ABC Paulista a empresa já adquiriu a Faenac, em São Caetano, a Anchieta e a Uniban, em São Bernardo, a UniA e a UniABC, em Santo André. A estimativa é que 90 professores já foram demitidos somente na Uniban, 45 na UniA e mais de 100 na UniABC. (...)

Fonte: CUT

 Ensino nenhum pode melhorar desta forma.

Soma-se a este quadro a contratação de professores de baixa qualificação, aumento do ensino à distância, ausência de laboratórios e nenhum desenvolvimento de quaisquer projeto de pesquisa.

Como o FIES garante um financiamento constante para os estudantes, investir na oferta de cursos em uma grande amplitude, com preços baixos e retorno educacional menor ainda, completa a lógica do sistema.

Aliás, os resultado no Exame de Ordem guardam uma bela correlação com este quadro. Cerca de 70% dos egressos das faculdades de Direito que têm alunos inscrito no Exame não conseguem aprovar nem 5% destes.

E, falando no Exame, vem a OAB.

Por que a Ordem não se manifesta sobre este quadro? Ela, a Ordem, fala sim do estelionato educacional mas nunca apresentou uma ação ou queixa ESPECÍFICA quanto a este processo de concentração do ensino, no geral, e do ensino jurídico em específico.

Essas fusões e aquisições de grandes grupos educacionais, financiados por grandes investidores estrangeiros, difusores de um modelo de negócio mais preocupado com o lucro do que com qualquer outra coisa deveria estar na pauta da OAB.

Talvez a Ordem nunca tenha atentado para este contexto, mas se não o fez, deveria fazê-lo.

Um exemplo: recentemente o CADE estendeu o prazo para análise do pedido de compra da Anhanguera pelo Kroton - Cade estende prazo para análise da fusão entre Anhanguera e Kroton - em um dos assuntos ligados à área educacional dos mais relevantes e a Ordem mantém-se absolutamente alheia ao tema.

Sim, não ignoro nem um pouco o trabalho da Ordem junto ao MEC...

Presidente da Comissão Ensino Jurídico da OAB fala sobre as mudanças nos cursos de Direito

Audiência Pública do ensino do Direito reúne grande público na OAB

A Audiência Pública sobre a reforma do ensino jurídico e o Exame de Ordem

...mas em momento algum este tema foi posto em pauta, como se não fizesse parte do contexto ou não fosse parte do problema. E eu estive presente nessa audiência final, além de estar acompanhando toda a discussão desde fevereiro de 2013, quando a OAB anunciou a parceira com o MEC.

O ?balcão de negócios? na abertura de faculdades ?fechou?, diz ministro da Educação

Em suma: quando a OAB vai entrar neste debate?

Ou não vai?