A cruel realidade com quem reprova na OAB

Sexta, 29 de abril de 2011

Tem gente que acha que quem reprova no Exame de Ordem é burro. E não são poucos que pensam assim. Nesses últimos dias, por conta da celeuma criada em torno das modificações na prova da OAB, observei uma série de comentários na internet que refletem uma visão distorcida da realidade. Esses comentários são sempre muitos semelhantes, verdades prontas sobre a prova da OAB: "A prova não é difícil, é só estudar" "Por que ao invés de reclamar não estudam?" "Querem fazer cursinho a acham que vão passar, mas nem estudaram na faculdade!" "Bastava sacrificar os finais de semana, sem se jogar na cachaça, que passariam na prova..." Eu não uso palavrões aqui, mas não tenho como não escrever: fico PUTO com isso! Um monte de frases prontas decorrentes de uma visão no mínimo superficial da realidade. E muitas vezes simplesmente maldade... Quem faz o Exame fica sobre uma pressão imensa, vinda de todos os lados, porque a aprovação na cabeça de muitos é corolário lógico de quem é inteligente ou estuda muito. Não é verdade! Isso é um mito!! O grande problema é que muitos enxergam o que acontece de uma forma quase que fundamentalista: se estuda e sabe, passa, se não passa, é burro, despreparado ou qualquer outra coisa semelhante. Não por acaso, mais de 70% dos candidatos desenvolve algum grau de estresse durante o Exame - O que o estresse e a ansiedade tem a ver com o Exame de Ordem? As pessoas ignoram que não existe uma única causa responsável pela reprovação no Exame de Ordem! Mas como o ser humano tem a mania de criar rótulos para simplificar o que não entende ou entende pouco, é preferível criar uma explicação simples para justificar o que vê. É mais fácil achar que os outros são burros do que entender razões e complexidades por detrás de uma reprovação. Existem bacharéis em Direito que são analfabetos funcionais? EXISTEM SIM!! Existem e eu comprovei isso pessoalmente ao analisar provas subjetivas de candidatos reprovados. Candidatos que não compreendem um problema e não conseguem colocar no papel uma ideia com começo, meio e fim. O ensino jurídico fraco ajuda a reprovar? Com certeza! Talvez inclusive seja a causa preponderante de reprovações! Mais preocupante ainda é que a grande maioria dessas faculdades aplicam vestibulares risíveis e NÃO REPROVAM nenhum acadêmico. Aliás, hoje, tentem reprovar um universitário para verem o que acontece. Estudante hoje (sem generalizar, claro!) é CONSUMIDOR e não ALUNO. Não se reprova consumidores! O estelionato educacional não é uma figura retórica: é uma realidade! Tem candidatos que levam a faculdade nas coxas? Com certeza! Muitos travam com sua instituição um verdadeiro pacto de mediocridade: "eu finjo que ensino, você finge que aprende, e no final do curso eu te dou um diploma". No Exame de Ordem a grande maioria das faculdades não conseguem aprovar nem 5% (cinco porcento) de seus egressos. Por outro lado, MUITOS, MUITOS, MUITOS alunos interessados e estudiosos têm somente como paradigma de aprendizagem a sua faculdade medíocre, pagam por isso achando que estão aprendendo e ao fim de tudo descobrem que foram ludibriados porque o sistema (o Exame) lhes revela finalmente a verdade: sua faculdade não valia nada!! São VÍTIMAS dessas faculdades e da precariedade da fiscalização do MEC. A OAB e a FGV cometem injustiças com os candidatos? Eu acompanho de perto o Exame de Ordem desde a prova 2007.3 e não me lembro de NENHUM Exame que uma injustiça ou um critério de correção equivocado não tenha derrubado quem merecia passar. Mais do que isso, me lembro de MUITOS Exames cujas provas foram pensadas com o fito de derrubar de forma ostensiva os candidatos. No Exame de Ordem 2009.2 usaram uma redação confusa e dúbia na prova trabalhista para induzir ao erro e reprovar geral os candidatos. Foi um tumulto! No 2009.3 tivemos a descoberta da fraude na prova da 2ª fase, fraude esta que também atingiu o Exame 2009.2. A nova prova subjetiva aplica em substituição a prova anulada reprovou sem dó nem piedade. No Exame de Ordem 2010.1 aplicaram a prova objetiva mais sinistra da história, RECHEADA de pegas e reprovaram na 1ª fase 90% dos inscritos. A coisa foi tão feia que a OAB anulou 5 questões para mitigar o prejuízo e a repercussão negativa, afora ter resolvido trocar o CESPE pela FGV. No 2010.2 a prova da 1ª fase foi uma beleza, mas aprovou tanta gente que resolveram compensar reprovando muito na 2ª fase, e desencarearam a maior confusão na história do Exame. Foram tantas arbitrariedades e erros que o MPF ajuizou 6 ações civis públicas contra o gabarito e os critérios de correção. No 2010.3, o atual, a FGV não respeito o provimento e o edital, e não cobrou as questôes de Direitos Humanos, que os candidatos gastaram TEMPO para estudar. Afora a prorrogação do resultado, sabe-se lá em função de qual falha. No resto, podemos contabilizar os peguinhas do tempo do Cespe em todas as provas objetivas, ou os enunciados para lá de extensos agora concebidos pela FGV, para reprovar o maior número possível de inscritos, sem contar a média por Exame de 10 a 12 questões passíveis de anulação por conta de problemas em seus enunciados ou alternativas. Existem candidatos preparados e estudiosos que sucumbem ao emocional? Aos MONTES! Essa certamente uma causa relevante a contribuir com muitas reprovações. Apesar da advocacia ser uma profissão que lida com antagonismos e enfrentamentos diários (de forma civilizada), onde a a timidez não pode ter espaço, quem está saindo da faculdade ainda está verde, independente da idade, para lidar com esse tipo de situação. É natural sentir a pressão. Aliás, lidar com a pressão da família e da sociedade (colegas de emprego, amigos e conhecidos) já foi alvo de várias postagens minhas. E foi alvo porque isso é REAL, isso ATRAPALHA DE VERDADE muita gente. Não é lenda, não é frescura, não é babaquice: a maioria dos candidatos sentem a pressão, e boa parte sucumbe diante dela. 80% dos candidatos em um exame já reprovaram ao menos uma vez. As duas últimas provas reprovaram 85% dos inscritos. Quem não fica com medo? A minoria, por certo. Existem pessoas inteligentes e capazes que simplesmente não conseguem se encaixar com a prova? Existe sim. Aliás, essa é uma das coisas mais curiosas em torno do Exame: gente inteligente, articulada, preparada que simplesmente não consegue passar. Como, se são inteligentes, articuladas etc e tal? Eu não sei, mas acontece! E falo com conhecimento empírico, por acompanhar ex-colegas de faculdade e pessoas cuja capacidade eu não duvido, além de Deus sabe quantos depoimentos de pessoas que recebi ao longo de 3 anos do Blog Exame de Ordem, já formadas, com mais um uma faculdade, articuladas, até mesmo adultos na maturidade e com grandes responsabilidades, as vezes até mesmo bem sucedidos na vida, que não passam na prova!! Eu não saberia explicar, mas tem gente assim, e não são poucos! Existem hoje, por baixo (estimativas da OAB), 2 milhões de bacharéis em Direto que não passaram na prova. Por que então não temos 2 milhões de inscritos no Exame? Não temos pois eles já desistiram de passar, foram vencidos após amargar várias reprovações. PAGARAM para ter um diploma e sonhar com o exercício da advocacia, mas ao fim sucumbiram diante da realidade. É um exemplo muito perverso de concentração de riqueza: pagam 5 anos de faculdade, 5 anos de seu tempo, e ao fim só têm um canudo inútil na mão. Isso é um problema social largamente ignorado. É um verdadeiro escândalo! Escândalo silencioso, ignorado e, aparentemente, incapaz de comover a sociedade. Infelizmente quem reprova tem de lidar com um processo de ESTIGMATIZAÇÃO. Velado ou não, ele existe. E quanto mais um candidato reprova, pior fica. A auto-estima vai sendo demolida prova após prova até o candidato desistir de vez. E quem vê isso de fora as vezes se compadece, e as vezes tripudia. Nenhum concurso público, nenhum processo seletivo aflige mais o espírito do que o Exame de Ordem. Nenhuma reprovação machuca mais. A compreensão das razões das muitas reprovações passa necessariamente por uma simples observação: as causas de reprovação são multifatoriais e não se pode estigmatizar nenhum candidato por conta disso. E, na verdade, culpar genericamente os reprovados parece-me um discurso justificador do sistema como um todo. Resumindo: a culpa é sua e não reclame! Isso é mais do que cruel, é perverso. Cada reprovação tem atrás de si uma história diferente das demais. E vocês, candidatos, que tenham reprovado ou não, precisam ter ciência disso exatamente para lidar com visões preconceituosas e equivocadas por aí existentes. O Exame não é fácil de jeito nenhum, e reprovar não é motivo de vergonha.