A constitucionalidade do Exame de Ordem

Sexta, 17 de dezembro de 2010

A Prof. Gisela Gondin Ramos, membro da Comissão Permanente de Direito Constitucional do Instituto dos Advogados Brasileiros, aponta os equívocos da decisão monocrática, liminar, de um Desembargador do TRF da 5ª Região.

Confiram:

É publicado, hoje 17.12.2010, o despacho do Desembargador Federal Vladimir Souza Carvalho que, em sede de Agravo de Instrumento interposto contra decisão proferida em Mandado de Segurança, admite a inscrição nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), sem a necessidade de submissão ao Exame de Ordem, dada a inconstitucionalidade da exigência estabelecida no art. 8º., inc. IV da Lei 8.906/94 (Estatuto da OAB).

Trata-se, entretanto, de uma decisão monocrática, proferida em juízo liminar, e cujos fundamentos, data maxima venia, não resistem a uma análise mais acurada, conforme se demonstra na sequência.

O primeiro argumento deduzido pelo magistrado diz respeito a uma suposta violação ao princípio da isonomia, porquanto se trata da única profissão em que o bacharel, para poder exercê-la, deve antes submeter-se a um exame. Ora, também se trata da única profissão que recebeu atenção especial e diferenciada na própria Constituição Federal que, ao afirmar ser o advogado indispensável à administração da justiça, assegurando ao profissional inviolabilidade por seus atos e manifestações, conferiu à advocacia o status de munus publico (art. 133, CF).

Destarte, em se tratando de distinção feita já na própria Carta, inviável se torna falar em ofensa ao princípio da isonomia. E mesmo que assim não fosse, de qualquer modo, não se poderia falar em violação ao postulado que, como sabemos, veda a arbitrariedade, mas não desautoriza o reconhecimento ou o estabelecimento de distinções segundo critérios de valor objetivos e constitucionalmente relevantes.

O segundo argumento lançado na decisão questiona a competência da OAB na regulamentação do Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/94). De acordo com o magistrado, invocando o art. 84, inc. IV da Constituição Federal, apenas o presidente da república estaria autorizado a expedir regulamentos para a fiel execução das leis, e esta atribuição, consoante o parágrafo único do mesmo preceptivo, seria indelegável.

A fragilidade do argumento desponta do fato de que o dispositivo em que lastreada a decisão apenas obsta a delegação por parte do Presidente da República, não fazendo qualquer referência ao Poder Legislativo. E, conforme pode ser constatado em uma simples leitura do art. 78 da Lei 8.906/94 foi o próprio legislador quem concedeu à Ordem dos Advogados do Brasil o poder regulamentar. E não há na Constituição Federal qualquer norma da qual se possa, logicamente, inferir que ele estaria proibido de fazê-lo.

O terceiro argumento desce ao nível infraconstitucional, deduzindo uma suposta ilegalidade na competência da OAB para aplicar o Exame de Ordem. De acordo com o magistrado, dentre as finalidades da Instituição não estaria a de verificar a aptidão do bacharel que pleiteia inscrição em seus quadros, uma vez que este direito lhe estaria assegurado com a simples emissão do diploma superior pela instituição de ensino que, no seu entendimento, detém a prerrogativa exclusiva e indelegável de aferir o conhecimento para o exercício da profissão.

Mais uma vez deixou de atentar para os exatos termos da Lei 8.906/94, cujo art. 44, inc. II é taxativo ao atribuir à OAB competência para promover, com exclusividade, a representação, a defesa, a seleção e a disciplina dos advogados em toda a República Federativa do Brasil. Destacamos, a propósito, a expressão com exclusividade, e o termo seleção. Começando por este último, não temos qualquer dúvida em afirmar que, ao atribuir à OAB a finalidade institucional para selecionar seus inscritos, a lei não faz outra coisa senão conferir-lhe exatamente a competência para aferir a qualificação do postulante ao título de advogado. E quando a mesma lei diz que tal atribuição é exercida com exclusividade, certamente não está considerando o diploma expedido por instituição de ensino como documento idôneo a substituir-lhe nesta responsabilidade. E não lhe socorre nem mesmo o argumento adicional de que o art. 5º., inc. XIII, da Constituição Federal assegura a liberdade de exercício de qualquer ofício ou profissão, uma vez que a mesma norma, na parte final, é taxativa ao determinar que sejam atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer. Ora, o Exame de Ordem afere, justamente, a qualificação do bacharel para o exercício da profissão de advogado, de forma que, mesmo aqui, ao reivindicar de todos aqueles que pleiteiam registro em seus quadros, a OAB não faz outra coisa senão atender ao que dela é exigido pela Constituição.

Autora: GISELA GONDIN RAMOS, natural de Florianópolis/SC, formada em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC, em 1981, é advogada militante com atuação profissional nas áreas de Direito Civil, Administrativo e Constitucional. Na ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL, exerceu vários cargos, tendo sido conselheira e diretora da Seccional de Santa Catarina no período de 1998 a 2003; e CONSELHEIRA FEDERAL no período 2004/2010. Foi Vice-Presidente do Instituto dos Advogados de Santa Catarina (IASC), no período 2005 a 2010. É Membro efetivo do INSTITUTO DOS ADVOGADOS BRASILEIROS (IAB), desde MAR/2001. Autora de diversas obras jurídicas, dentre elas ESTATUTO DA ADVOCACIA ? COMENTÁRIOS E JURISPRUDÊNCIA SELECIONADA, ed. Forense, que ganhou o Troféu ?Boi de Mamão?, da Câmara Catarinense do Livro no ano de 2000, como melhor obra na área do Direito.

Fonte: IAB Nacional