XXIV Exame de Ordem - Recurso de Penal

Quinta, 23 de novembro de 2017

XXIV Exame de Ordem - Recurso de Penal

Os professores Geovane Moraes, Taciana Giaquinto e Anderson Costa elaboraram as razões de recurso para a questão 61 da prova branca, que trata do crime de furto na residência de um vizinho.

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Confiram:

XXIV Exame de Ordem - Recurso de Penal

A questão número 61 da prova tipo 1 (branca) do XXIV Exame de Ordem Unificado teve anotada como alternativa correta a assertiva ?d?, qual seja:

João deverá responder pelo crime de furto simples, com causa de diminuição do arrependimento posterior, enquanto Pablo não responderá pelo crime contra o patrimônio.

Conquanto, com todas as vênias, a manutenção da aludida assertiva como alternativa correta não merece prosperar!

A questão, em seu enunciado, narra que:

Decidido a praticar crime de furto na residência de um vizinho, João procura o chaveiro Pablo e informa do seu desejo, pedindo que fizesse uma chave que possibilitasse o ingresso na residência, no que foi atendido. No dia do fato, considerando que a porta já estava aberta, João ingressa na residência sem utilizar a chave que lhe fora entregue por Pablo, e subtrai uma TV. Chegando em casa, narra o fato para sua esposa, que o convence a devolver o aparelho subtraído. No dia seguinte, João atende à sugestão da esposa e devolve o bem para a vítima, narrando todo o ocorrido ao lesado, que, por sua vez, comparece à delegacia e promove o registro próprio. (destaques acrescidos).

 Perceba-se que há a prática de 2 (duas) condutas na questão: a) João, que executa o núcleo do tipo penal do crime de furto (art. 155 do Código Penal); e b) Pablo, que embora não realize diretamente o núcleo do tipo penal do crime de furto, concorre para o crime, criando a chave falsa.

Em relação à conduta praticada por Pablo, merece maior destaque que a sua ação consistiu em viabilizar materialmente a execução da infração penal, durante os atos preparatórios de João. Ou seja, no caso narrado, temos que Pablo se enquadra na participação de menor importância, prevista no art. 29, § 1º, do Código Penal. O fato da chave não ter sido usada efetivamente para subtração da coisa móvel, decorreu de situação completamente alheia a vontade de ambos os envolvidos o que não pode desnaturar o concurso de pessoas existente entre eles, sob pena de irmos de encontro a lógica elementar do ordenamento penal no tange ao tema.

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Feita essa breve digressão, e considerando ter Pablo participado da infração penal cometida, ainda que de forma menos decisiva, a qualificadora de concurso de pessoas estabelecida no inciso IV, do § 4º, do art. 155 do Código Penal deverá incidir para ambos, pois mesmo que a fase executória do crime fique a cargo de uma única pessoa, não é necessário que todos os envolvidos pratiquem os mesmos atos, bastando o encontro de vontades para a prática do delito.

Nesse diapasão, em que pese haja divergência, a doutrina majoritária entende que para a incidência da qualificadora do inciso IV do art. 155 do Código Penal admite-se a coautoria e a participação. Isto porque, ?se a lei desejasse a aplicação da qualificadora somente às hipóteses de coautoria, não teria falado em ?concurso de duas ou mais pessoas?, mas sim em ?execução do crime por duas ou mais pessoas?, a exemplo do que fez no delito de constrangimento ilegal (CP, art. 146, § 1.°)? (Cleber Masson. Direito penal esquematizado: parte especial ? vol. 2 / 7.ª ed. rev., atual. e ampl. ? Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2015).

Nesse mesmo sentido, Guilherme de Souza Nucci destaca que:

?O apoio prestado, seja como coautor, seja como partícipe, segundo entendemos, pode servir para configurar a figura do inciso IV. O agente que furta uma casa, enquanto o comparsa, na rua, vigia o local, está praticando um furto qualificado. Inexiste, na lei, qualquer obrigatoriedade ara que o concurso se dê exclusivamente na forma de coautoria (quem pratica o núcleo do tipo, executando o crime), podendo configurar-se na forma de participação (auxílio a quem pratica a ação de substrair)? (Curso de Direito Penal : parte especial ? arts. 121 a 212 do Código Penal /Guilherme de Souza Nucci ? Rio de Janeiro: Forense, 2017. pag. 391 - destaques acrescidos).

Não é de mais, ainda, citar o entendimento de Rogério Sanches Cunha:

Assim, em que pese não haver coautoria se apenas um dos concorrentes participou dos atos de execução, possível se mostra a participação moral, com a instigação à prática do delito, inclusive beneficiando-se, depois, com o fruto do ato, ou participação material, com o fornecimento, por parte do partícipe, dos objetos necessários à execução do crime. E isso pode ser por ação ou omissão: o vigia poderá fornecer a arma ao agente, como poderá deixar de trancar a porta do imóvel, para que o fato seja consumado. Dentro desse espírito, a expressão participa (verbo) é a mesma constante do art. 29, §§ 1° e 2°, ora como substantivo, ora como verbo, abrangendo aquele que, apesar de não executar o crime, envolve-se de qualquer modo na infração. (Manual de direito penal: parte especial/ Rogério Sanches Cunha ? 8ª ed. rev., ampl. e atual. ? Salvador: JusPODIUM, 2016. Pag. 266 ? destaques acrescidos).

Ademais, a plena intelecção da exposição de motivos do Código Penal deixa claro que para fins de reconhecimento do concurso de pessoas, nosso ordenamento pátrio adota a Teoria Monista ou Unitária, que de forma mais simples estabelece que todas as pessoas que concorrerem para a prática de um crime, responderão por este delito na medida de sua culpabilidade.

Assim sendo, na situação narrada, os três principais elementos necessários ao reconhecimento do concurso de pessoas entre João e Pablo para fins de prática de furto qualificado estão presentes, a saber: pluralidade de agentes e condutas, liame subjetivo entre os agentes e identidade da infração penal.

 Sem desejar enfastiar os doutos membros desta colenda banca, mas por amor ao respeitável contraponto de ideias,  cabe ressaltar ainda que, caracterizada a unidade da infração penal ? furto qualificado pelo concurso de duas ou mais pessoas ? para João e Pablo, cumpre observar que a conduta de João, consistente em devolver o bem subtraído ao seu legítimo proprietário/possuir, sem que o mesmo estivesse gravado de ônus ou desgaste relevante, antes do início da ação penal, e por uma conduta voluntária, ainda que não espontânea, visto ter sido estimulado por sua esposa, impõem inequivocamente o reconhecimento do instituto do arrependimento posterior, causa especial de redução de pena a ser manifesta na terceira fase da dosimetria, disciplinado ao teor do art. 16 do Código Penal.

Conforme estabelece de forma amplamente majoritária a doutrina e a jurisprudência, em sendo o crime patrimonial praticado em concurso de duas ou mais pessoas e apenas um dos concorrentes procedendo a reparação integral do dano sofrido pela vítima material, seja mediante devolução da coisa móvel ou pelo pagamento pecuniário equivalente ao valor real do bem subtraído, e satisfeitas as demais condições constantes ao teor do art. 16 do Código Penal para a caracterização desta ?Ponte de Prata?, as consequências jurídicas dela decorrentes deverão ser estendidas a todos os coautores ou partícipes da empreitada delituosa.

Posto isto, a alternativa que se melhor amolda, em nosso entendimento, vênias a percepções em sentido contrário, ao caso narrado na questão 61 da prova tipo 1 (branca) é a assertiva de letra ?C?, qual seja, ?ambos deverão responder pelo crime de furto qualificado, aplicando-se a redução de pena para os dois, em razão do arrependimento posterior, tendo em vista que se trata de circunstância objetiva?.

Ante os motivos de direito supra expostos, respeitosamente externa-se o pleito  que seja anulada a referida questão, com a concessão da pontuação a ela referente a todos que fizeram a prova da Primeira Fase do XXIV Exame de Ordem Unificado.

Geovane Moraes, Taciana Giaquinto e Anderson Costa

Professores de Direito Penal, Processo Penal e Legislação Extravagante do Curso JUS21.