Segunda, 24 de julho de 2017
Não tenham dúvidas: a era do Exame de Ordem "receita de bolo" está para terminar, e a prova de ontem foi um passo muito consistente nessa direção. A OAB impôs um forte reposicionamento no Exame de Ordem.
Primeiro tivemos uma alteração de alto impacto na prova: a inédita redução das questões de Ética Profissional.
CORREÇÃO: Não foi a primeira alteração. Quando a prova baixou de 100 para 80 questões a redução também aconteceu, mas por razões óbvias.
Primeiro porque Ética sempre foi (e ainda é) o porto seguro de todos os candidatos, ESPECIALMENTE os que são aprovados ali com 40 ou 41 pontos. Mas com a redução a margem de aprovação geral naturalmente cai sem que a Ordem precise fazer força alguma para isto.
Ética envolve a leitura de 3 diplomas (Estatuto, Código de Ética e Regulamento Geral), demandando o esforço de uns 3 ou 4 dias de estudo apenas dos candidatos e dando uma alta margem de retorno na pontuação. Na realidade, Ética é a melhor disciplina, disparado, no quesito custo x benefício.
Com a mudança a disciplina ainda continua sendo a mais importante, mas perde um pouco da sua força.
BOMBA! FGV reduz as questões de Ética de 10 para 8!
Direitos Humanos também perdeu uma questão. Com isso Processo Penal, Processo Civil e Tributário ganharam, cada, uma questão.
Depois, Ética sempre teve um peso significativo DENTRO da OAB, pois o maior "arroz-com-feijão" da entidade é a defesa das prerrogativas, e o domínio do dessas normas tem mais do que um valor técnico: o valor é moral/operacional. Por isso Ética é a disciplina mais importante da OAB, pois a defesa da atuação profissional é cara para a entidade.
A redução foi estratégica porque também não foi maior - apenas do tamanho que era possível reduzir para não causar maiores melindres na esfera política da entidade.
Logo, podem ter a certeza de que a disciplina não vai passar por uma redução maior. Como também, por outro lado, acho altamente improvável que volte para as tradicionais 10 questões.
E ainda digo mais: ela foi a antecipação de algo que seria, por assim dizer, inevitável.
Eu já havia antecipado aqui, em primeira mão, que as disciplinas Eleitoral e Previdenciário estão para entrar no Exame de Ordem por conta das mudanças que o CNE e o MEC pretendem fazer no ensino jurídico.
O futuro da prova da OAB: as novas disciplinas do Exame de Ordem
A inclusão de mais duas disciplinas, cada uma com duas questões, inevitavelmente iria colidir com as questões de Ética.
O CNE ainda não votou as mudanças na Resolução nº 9 de 2004, mas isso vai acontecer agora neste 2º semestre e a tendência é que o MEC sancione a proposta.
Como o conteúdo programático do Exame de Ordem, por força do edital, guarda vinculo direto com essa resolução, a mudança é inevitável.
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E aqui vem a observação de uma 2ª e ainda MAIS IMPORTANTE mudança vista na prova: a interdisciplinariedade.
Várias questões, em uma escala inédita, exigiram o domínio de duas disciplinas distintas dentro de um mesmo problema.
Vejam só a questão 69 da prova de ontem (Prova Branca), de Processo Penal:
A questão estava junta com as questões de Processo Penal, detinha uma narrativa da área criminal. Entretanto, seu fundamento está no Art. 7º, XXI, do Estatuto da OAB. Ou seja, a resposta não está no CPP apesar de ser uma questão de Processo Penal por também demanda um posicionamento dos Tribunais.
Agora olhem essa questão, com forte remissão ao Direito, vejam só, ELEITORAL:
A resposta, claro, está na Constituição, mas essa questão certamente assustou (e derrubou) muitos candidatos. Seu enunciado é fortemente eleitoralista.
Um prenúncio, claro, do que está vindo por aí.
Falando nisto, vejam só a questão abaixo:
Sim! A questão bordeava o Direito Previdenciário! Não exigiu, objetivamente, conhecimentos específicos da disciplina, mas é curioso ver que tanto eleitoral como previdenciário foram "lembradas" na prova.
A interdisciplinariedade veio para ficar. A fronteira entre as diferentes disciplinas está se tornando mais tênue. Os candidatos serão obrigados a dominarem cada vez mais todo o conteúdo, porque se uma questão se mistura com outra que o examinando não conhece, ele tende a errar.
Isso sem contar que os enunciados vieram com redações bem mais sofisticadas se comparados com os enunciados de edições anteriores.
E também, claro, com uma abordagem mais diferenciada dos conteúdos tradicionalmente cobrados na prova.
Esta edição, sem a menor sombra de dúvida, veio estruturada de forma bem diferente.
Cursos e professores que estão presos a "receitas de bolo" vão precisar se reinventar. Isso porque a própria FGV está reinventando a prova.
Estamos no limiar de um novo período na graduação em Direito, isso é um fato! E a OAB não vai permitir que os futuros bacharéis, preparados em graduações "fast track", entrem na advocacia.
E do jeito que a prova está mudando, não vão entrar mesmo.