Segunda, 23 de outubro de 2017
Fui alertado por uma amiga sobre a existência de anúncios feitos por empresas e escritórios que só querem "advogados de faculdades de primeira linha!"
É o mercado mostrando a sua face: fria, desapaixonada e objetiva. E o mercado, como já disse aqui em algumas oportunidades, NUNCA está errado.
Isso não quer dizer que ele seja bonito ou simpático: ele quase nunca é.
Como entrar no mercado após a OAB?
Quando um anunciante boa no anúncio que só quer gente formada em determinadas (e poucas) "faculdades de primeira linha", ele está, logo de plano, fazendo uma pré-seleção entre os candidatos. Afastando aqueles que vêm, sob sua própria ótica, de faculdades consideradas mais fracas. Faculdades que cobram mensalidades mais populares, com processos seletivos fracos ou inexistentes, que não permitem que seus alunos reprovem entre os semestres (algumas instituições têm isso como regra), com provas padronizadas, altos percentuais de reprovação na OAB, salas de aulas repletas de alunos (existem instituições que colocam até 150 alunos em uma sala de aula) e mesmo que oferecem parte das aulas à distância.
O mercado do ensino jurídico está repleto dessas instituições que oferecem ensino muito barato e de qualidade questionável. Estão de olho tão somente no lucro e não na formação de seus egressos.
Os empregadores têm a mais perfeita e completa consciência desta realidade, e estabelece seus próprios filtros para lidar com os egressos dessas instituições. Um desses filtros é o de eliminar de processos seletivos egressos de faculdades consideradas ruins.
10 coisas sobre a advocacia que você NÃO aprende na faculdadeE não se enganem: enquanto alguns impõem a restrição de forma aberta, a MAIORIA o faz de forma velada, sem expor claramente quais os critérios de seleção que está utilizando.
Certa vez, em uma confraternização de campanha aqui no DF, ouvi uma colocação muito interessante de um dono de banca de advocacia. Ele disse que só contratava estudantes oriundos da UnB, UniCeub e UDF, as 3 "faculdades de primeira linha" de Brasília na época. E isso dentro de um universo de quase 30 instituições.
É muito pouco, mas também é um filtro usado para otimizar os processos de escolha de quem quer empregar.
Este é, não tenho dúvidas, um tema bem sensível, e que envolve em si uma margem considerável de preconceito e estigmatização.
Evidentemente, de faculdades que não são consideradas de "primeira linha", temos egressos muito inteligentes e preparados. Não raro muitos não têm condições financeiras para estudar nas boas instituições e não têm alternativa que não a de estudar onde o dinheiro permite estudar.
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O que regula os preços e a oferta de emprego é a lei da oferta e da procura - Lex Mercatoria. O sistema remuneratório da iniciativa privada segue um princípio bem elementar do capitalismo: o valor está na raridade.
A regra é simples: a busca se dá em instituições que formam menos e melhor, em detrimento das instituições que formam em massa.
A busca nada mais é o resultado de uma PERCEPÇÃO: faculdades de primeira linha são mais caras e elitizadas na teoria, formando pessoas mais capacitadas para atender as demandas dos empregadores.
Aqui um ponto relevante: é inútil "pedir" para os empregadores não estabelecerem esse tipo de seleção ou não levarem em consideração a formação prévia daqueles que estão sendo recrutados. O mercado não tem esse tipo de consideração.
Filtros genéricos são criados exatamente para facilitar o recrutamento. Em um país que têm mais de um milhão de advogados, é impossível iniciar uma peneira prestando atenção aos detalhes.
Desgourmetização da advocaciaAdvogado virou commodity, ou seja, existe em abundância no mercado. Para quem seleciona, isso facilita imensamente o processo de seleção, sendo possível criar muitos filtros antes de chegar exatamente naquele perfil desejado, certo de que o perfil existe e a vaga será preenchida tal como se deseja.
E, se o profissional contratado não agradar, a facilidade em encontrar outro faz com que o processo de renovação ocorra sem maiores problemas.
Pode parecer herético afirmar isso, achar ?normal? um advogado ser selecionado em função da "etiqueta" que carrega, mas ela faz todo sentido. E o faz porque o mercado não ignora nenhum dos elementos que o compõe. Ele tem a capacidade de sopesar todas as variáveis e oferecer a solução para equilibrar a oferta e a procura.
O mito da faculdade de "primeira linha"E essa balança, a da oferta e da procura, oscila sobre o princípio basilar em que é estruturado todo e qualquer raciocínio de ordem econômica: a escassez.
O valor de um produto ou serviço está diretamente atrelado a disponibilidade dele no mercado. É um equilíbrio interessante criado pela disponibilidade do produto/serviço e pelo interesse gerado do consumidor pelo mesmo produto serviço.
Brasil ganha 159 advogados por diaUm exemplo simples: os diamantes são caros porque são raros (escassos). Por outro lado, um rolo de papel higiênico é barato porque é muito abundante e muito barato de se produzir, mesmo considerando sua alta demanda.
Já o ar atmosférico, esse mesmo que respiramos, não custa nada (ainda) porque é abundante e acessível.
Seguindo essa lógica, podem se dar ao luxo de fazer o que fazem que terão suas pretensões atendidas.
E como fugir dessa realidade? Como vencer a visão estigmatizadora do mercado?
Sim, o tempo precisa passar para que o estigma de uma formação pretensamente ruim seja debelado. Isso não depende exatamente de ninguém, é algo natural quando se tem algum tempo de trabalho. A passagem do tempo permite a consolidação da reputação e possibilita que se mostre serviço. A questão não é se o tempo vai passar o não, mas sim o que fazer com ele. E trabalhar duro é a única opção.
Esperar o tempo passar por si só ajuda, mas dá para "turbinar" a passagem dele com a busca por uma formação mais consistente. Ser jovem e ter um mestrado para apresentar inverte totalmente o jogo. Participar de cursos, workshops, seminários, correr para uma pós-graduação, trabalhar como voluntário na Defensoria Pública, escrever texto e artigos, turbinar o curriculum e conseguir boas referências no mercado.
Trabalhar o currículo é fundamental.
Não adianta brigar contra o mercado e atacar o conceito de faculdades de primeira linha. Ele é formado pela opinião genérica de centenas ou milhares de atores. A forma mais evidente de se destacar para o mercado é construir a reputação de ser um bom trabalhador: preparado, interessado e competente. Quem não pode colocar uma grife no diploma tem de fazer do próprio nome uma grife, tornando irrelevante a sua origem.
Propaganda é a alma do negócio. Saber divulgar a própria imagem é de extrema importância, em especial nos tempos da internet. Mostre que você é sério, compenetrado e dedicado. VENDA essa imagem pelas redes e por entre seus contatos, independentemente da ideia de faculdades de primeira linha. Torne essa percepção irrelevante.
Mostre-se aos pares, participando da política da OAB (o que é importante). Seja comprometido com um grupo e façam com que conheçam seu nome.
Seja participação, interessado e, em algum momento, vão notar você. É inevitável!
Atue o máximo possível, mesmo que seja em parcerias. Mesmo que seja com trabalho voluntário em defensorias ou núcleos de prática. Ter histórias de atuações para contar é um elemento bem significativo na hora de conversar com um empregador ou mesmo um cliente. Todo empregador quer sentir que um possível empregado tem background consistente, know-how e expertise! Ele quer saber se você tem VIVÊNCIA na advocacia.
Isso faz a diferença!
A advocacia é, por essência, uma profissão liberal, ou seja, para advogar não é necessário ter um chefe.
Não que montar um escritório seja algo fácil, e não é. Mas ninguém precisa se submeter ao crivo dos outros para ter sua fonte de renda.
Sim, é fácil falar, ainda mais considerando como está o mercado hoje, mas essa é sempre uma possibilidade real.