Quinta, 2 de outubro de 2014
Acabei de fisgar nas redes sociais o seguinte depoimento:
"Tanta gente querendo se livrar da vermelha. Só vejo colegas reclamando. Nunca vi contarem histórias divertidas e interessantes. Clima pesado! Já em outras áreas sempre ouço algo divertido e interessante. Sei que tudo tem obstáculos, mas a advocacia atual se supera. "Se pudesse voltar atrás, nunca teria prestado o Exame da OAB. Me dedicaria mais para concursos de escrevente ou oficial de justiça."
Ele faz sentido?
Faz...
Existe um adágio, famoso, que diz que "advogar não é para os fracos".
Será?
Essa expressão foi cunhada em razão da importância da advocacia e do destemor necessário para guiar as ações do advogado, pois contra as pretensões da causa patrocinada serão opostas forças das mais variadas intensidades, inclusive aquelas que chamaríamos de poderosas.
É preciso ter estômago.
Mas...
Mas esse expressão foi cunhada há muito tempo, em outra época e sob outra realidade. Hoje advogar não é mais "para os fortes" e sim "para muitos!"
Advogar é para muitos, pois o contexto mudou. Com a explosão do número de faculdades de Direito nos últimos 20 anos uma leva incrível de novos profissionais adentrou o mercado, todos com uma gama de perfis distintos. O crescimento descontrolado do número de novos advogados foi tão grande que a profissão entrou em crise.
Hoje um jovem advogado é uma "commodity", ou seja, um profissional passível de ser substituído por outro de igual capacidade com grande facilidade.
Venho escrevendo com constância sobre isto:
?Pós-graduação virou commodity?. A nova visão do mercado sobre a formação profissional
Os vencimentos (de fome) do chamado ?advogado audiencista? e a crise do mercado da advocacia
Tem carteira da OAB mas não tem carro? As coisas serão um pouco mais difíceis para você?
Metade dos trabalhadores brasileiros com diploma universitário ganha até 4 salários mínimos
Como falar então em que a advocacia não é para os fracos quando ela, dada a intensa competição, passou a ser o ganha-pão de tantos?
E o que falar daqueles que se formaram mas sequer conseguiram passar no Exame da OAB? Estes que estão lutando há muito tempo para serem aprovados ou mesmo tentam derrubar o Exame no Congresso para conseguirem exercer a advocacia? Quantos seriam? Um, dois milhões?
E isso tudo amarrado dentro de um contexto onde a economia não cresce para absorver mais profissionais e oferecer mais oportunidades para todos.
Também dentro de um contexto onde grandes escritórios se valem de tecnologias para conseguirem tocar milhares e milhares de processos com o uso de um pequeno número de profissionais.
Se vocês pudessem voltar atrás teriam feito o Exame de Ordem? Teriam cursado a faculdade de Direito?
Será que o sonho era tão somente de passar em um concurso público?
Bom...passar em um concurso público NUNCA será mais fácil do que ser aprovado no Exame de Ordem, não só em função do grau de dificuldade das provas como também pela existência de concorrência, algo ausente na prova da OAB.
Se eu pudesse voltar atrás não teria feito o Exame de Ordem?
Por mais que essa frase possa fazer sentido considerando o atual cenário, ela não me parece adequada. E não parece pelos seguintes motivos:
1 - todo mercado, sem exceção, tem nichos a serem explorados;
2 - a proporção de pessoas que estão dispostas a se sacrificarem para atingir um objetivo é sempre MENOR em comparação com quem apenas quer chegar verdadeiramente a algum lugar;
3 - mesmo em um ambiente saturado há espaço para quem se esforça mais do que a maioria;
Mas não é só isso! A ESMAGADORA maioria dos advogados tem uma visão LINEAR do mercado! Falo isso sem medo de errar!
Perguntem o que são metacompetências e como aplicá-las na carreira. Nem todo mundo vai saber responder.
Perguntem se o contencioso é a única coisa que um advogado pode fazer. Muitos vão achar que sim!
Perguntem quantos agem ativamente na construção de um círculo de contatos abrangente e fora do mundinho do Direito. Não são todos!
Perguntem quem sentou para pensar, trocar ideias com uma série de outras pessoas e montou um PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO para sua inserção, manutenção e crescimento no mercado.
Perguntem, finalmente, quem tem estômago e o espirito empreendedor necessários para tocar um escritório, fazendo isso tendo em mente a estruturação de uma EMPRESA e não meramente a abertura de uma sala para trabalhar. Menos gente ainda.
Sempre, sempre e sempre existirão oportunidades para quem souber enxergá-las, em especial dentro de um ambiente repleto de mudanças.
Parem para pensar:
a) O mercado do Direito Digital ainda é POBRE em profissionais, isto mesmo considerando o fato da internet ter se tornado onipresente em nossas vidas. A maioria dos advogados só conhece o básico quando o assunto é computação.
b) Estamos no limiar da era das impressoras 3D. Onde comprar uma? Como operá-la? Como proteger a propriedade intelectual diante delas? Quais os limites de fabricação? Onde o Direito entra neste ramo?
c) O que falar então dos drones e suas implicações no mundo da responsabilidade civil?
d) E as novas profissões criadas pelas novas tecnologias e os novos modelos de trabalho e prestação de serviços? Como entender esse novo mercado de trabalho?
e) E a questão da água e a iminência dela deixar de ser uma commodity e se tornar em um bem MUITO valioso? O que falar de gestão ambiental neste caso?
O mundo em que nascemos não é mais o mundo em que vivemos. Nascemos em outra época e as demandas de lá até aqui mudaram MUITO. Mesmo assim, a maior parte do mercado ainda vê a realidade de 10 ou 20 anos atrás.
Basta não ter um espírito cristalizado no tempo para se posicionar de forma diferente da maioria...
Advogar não é fácil, mas triunfar na advocacia é algo MUITO MELHOR do que ser aprovado em qualquer concurso público. Leva mais tempo, demanda uma visão diferenciada, mas rende frutos muito mais saborosos.
Basta abrir a mente e pensar diferente.
Certas portas só podem ser abertas com o Exame de Ordem. Não joguem isso fora.