Quarta, 15 de junho de 2016
Está em curso no Conselho Nacional de Educação (CNE) uma proposta que pode ser considerada como um verdadeiro atentado ao ensino jurídico no país, capaz inclusive de implodir nosso sistema jurídico.
Há meses tenho ciência da existência deste projeto, mas, infelizmente, apesar de várias diligências, não consegui acesso ao seu teor. Aliás, tirando o relator do projeto no CNE, ninguém está conseguindo acesso ao texto.
Como o tempo está passando e a proposta segue firme em sua tramitação, resolvi escrever mesmo sem ter o texto em mãos. É preciso tonar o assunto público e chamar todos ao debate quanto ao que está acontecendo.
De toda forma, como as fontes que me relataram a ideia por detrás da proposta são confiáveis (sempre são), e como não é possível deixar esse projeto seguir seu curso sem antagonizá-lo, escrevo mesmo sem ter em mãos uma prova cabal do que vou afirmar.
Pois bem!
A proposta guarda correlação com a Resolução nº 9 do CNE, que regula o conteúdo curricular da graduação dos cursos de Direito.
Esta resolução, e isso não é nenhuma novidade, está sendo alterada, tal como anteriormente noticiado aqui no Blog:
Resolução nº 9 do CNE está sendo alterada, e isso vai mudar também o conteúdo do Exame de Ordem!
O debate está acontecendo.
Essa Resolução trata, exatamente, do curriculum da graduação em Direito, e é em cima desta Resolução que o conteúdo até mesmo do próprio Exame de Ordem é definido. Vejamos o artigo 5º dela:
Art. 5º O curso de graduação em Direito deverá contemplar, em seu Projeto Pedagógico e em sua Organização Curricular, conteúdos e atividades que atendam aos seguintes eixos interligados de formação:
I - Eixo de Formação Fundamental, tem por objetivo integrar o estudante no campo, estabelecendo as relações do Direito com outras áreas do saber, abrangendo dentre outros, estudos que envolvam conteúdos essenciais sobre Antropologia, Ciência Política, Economia, Ética, Filosofia, História, Psicologia e Sociologia.
II - Eixo de Formação Profissional, abrangendo, além do enfoque dogmático, o conhecimento e a aplicação, observadas as peculiaridades dos diversos ramos do Direito, de qualquer natureza, estudados sistematicamente e contextualizados segundo a evolução da Ciência do Direito e sua aplicação às mudanças sociais, econômicas, políticas e culturais do Brasil e suas relações internacionais, incluindo-se necessariamente, dentre outros condizentes com o projeto pedagógico, conteúdos essenciais sobre Direito Constitucional, Direito Administrativo, Direito Tributário, Direito Penal, Direito Civil, Direito Empresarial, Direito do Trabalho, Direito Internacional e Direito Processual; e
III - Eixo de Formação Prática, objetiva a integração entre a prática e os conteúdos teóricos desenvolvidos nos demais Eixos, especialmente nas atividades relacionadas com o Estágio Curricular Supervisionado, Trabalho de Curso e Atividades Complementares.
A proposta da nova resolução, até onde me foi informado, contemplaria três gravíssimas alterações:
Isso é, sem a menor sombra de dúvida, verdadeiramente assombroso e, claro, seria desastroso para a formação dos futuros bacharéis.
Se tais alterações forem efetivamente implementadas, o curso de Direito deixará de ser um bacharelado (na prática) para se transformar em um curso técnico-jurídico. Seria a destruição de um mínimo de qualidade na formação dos jovens bacharéis.
Inviabilizaria gravemente a entrada desses jovens profissionais no mercado em função da deficiência na instrução de competências mínimas para o exercício profissional.
A simples supressão do Núcleo de Prática, que toda a faculdade tem (ou deveria ter) seria trágica. Os bacharéis chegariam ao mercado simplesmente crus, incapazes de manejar o andamento de quaisquer demandas.
A redução das disciplinas do Eixo de Formação Fundamental também seria catastrófica, pois reduziria a capacidade dos futuros operadores de entender contextos sociais e mesmo de compreender a lógica jurídica. O Direito, com nós sabemos, não funciona bem sem outros ramos do conhecimento.
E tudo isso, incluindo aí a redução do curso de 5 para 3 anos tem, evidentemente, uma única razão de ser: a redução do custo operacional dos cursos de Direito e aumento das margens de lucro dos grandes grupos empresariais da educação.
Um curso reduzido, com uma carga horária menor, sem núcleo de prática, seria muito mais barato de se manter, aumentando assim a lucratividade da operação. A redução do tempo da graduação aumentaria a rotatividade e, muito possivelmente, o número de futuros estudantes, pois o financiamento de uma graduação mais curta é mais fácil de ser adimplido, pelo simples fato da dívida contraída com o FIES ou outros financiamentos ser bem menor considerando que ao fim entregarão a mesma coisa que um curso que dure 5 anos: um diploma.
O mercado experimentaria, é claro, um processo de saturação muito mais célere, e com profissionais muito menos gabaritados.
Seria o ocaso, e o colapso, do Direito no Brasil.
São dois os processos em tramitação no CNE que tratam desta questão:
230001000023/2013-32
230001000020/2015-61
Se alguém conseguir o teor destas tramitações, favor me enviar para a devida publicação e discussão. Pelas vias ordinárias foi impossível conseguir qualquer coisa.
A comunidade jurídica precisa tomar conhecimento dessas propostas e, ao meu ver, combatê-las diretamente. E precisa fazer isto urgente, pois a ideia de seus idealizadores é conseguir a aprovação delas ainda neste ano.
Detalhe: vocês viram por aí algum convite devidamente divulgado convidando os atores do cenário jurídico a participarem da discussão dessa proposta?
Pois é! Nem eu!