"Iniciei na advocacia e estou desgostosa com minha profissão, sem nenhum prazer em trabalhar. O que faço?"

Quarta, 25 de março de 2015

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Recebi uma mensagem em meu facebook e resolvi compartilhá-la (tendo sido previamente autorizado, é claro) com vocês. Trata-se de um sentimento comum entre muitos jovens advogados em início de carreira, mal-remunerados e assoberbados de trabalho

Confiram:

Boa tarde Maurício, como vai?

Mesmo sabendo que você é um cara ocupado, figura carimbada nos eventos OABzísticos (perdoe o neologismo barato), gostaria de um conselho seu, especialmente pelo fato de que um de seus conselhos estampados no blog exame de ordem me fizeram lograr êxito no famigerado exame de ordem.

Passei na OAB no exame X, depois de 6 tentativas beeeem frustradas, de ir para a segunda fase, horas de estudo, dedicação, e ao final, mais uma reprovação. Enfim, não quero bancar a dramática, já o sendo, mas suei pra ter essa bendita carteira de advogada.

Pois bem, já estagiava em um escritório relativamente bem conceituado aqui na cidade onde moro, e ao passar na temida prova tive uma promoção, passei de estagiária a advogada do referido escritório.

"Nossa fia, que bênção!" disseram-me aquelas tias sem noção, mas que nada, aqui não há nada de bênção, ao contrário, trabalho feito uma verdadeira escrava, das 8:00h às 18:00h, o que é uma grande mentira, porque chego bem antes das 8:00 e saio bem depois das 18:00 pra dar conta da demanda.

Parece ótimo, uma advogada em início de carreira com tantas demandas, mas não é, especialmente porque sou associada - leia-se, empregada sem qualquer direito trabalhista - que tem como remuneração mensal R$1.500,00.

Perdi vários eventos familiares, momentos com as pessoas que amo, tudo pra estar aqui, trabalhando, me descabelando feito louca pra cumprir as metas, prazos e vontades dos meus chefes.

Sinceramente, sinto-me sugada, estressada, desanimada, decepcionada, desrespeitada, e pior, isso tudo sob uma pressão louca, que parece que a qualquer momento me faltará o ar, pois a cobrança é constante, tanto dos sócios do escritório, como também da minha família, que acha que trabalho demais por pouco retorno. Ou seja, me formei, passei na OAB, tenho um emprego, mas ainda dependo dos meus pais, haja vista que com esse salário mal pago transporte, alimentação e vestuário (que não pode ser qualquer um, o que por óbvio demanda gasto, por vezes, alto, "a fim de que os funcionários não destoem uns dos outros" - palavras da chefia).

Há dias em que estou extremamente inclinada a abandonar essa vida e buscar um novo sentido, um novo rumo, pois me sinto tão ou mais cansada do que qualquer senil acima dos 90 anos. Mas, lembro quão árdua foi minha batalha para chegar até aqui, e desisto.

Gostaria de um conselho, uma palavra amiga, uma luz, uma poção mágica (brincadeira), que me faça sair desse limo em que me encontro, desgostosa com minha profissão, sem nenhum tesão de trabalhar, considerando que tenho verdadeira adoração pelo estudo do direito.

E sabe Maurício, o que mais me desanima é que ao conversar com colegas, vejo que a situação deles é bastante semelhante à minha.

Sei que estou apenas no início de minha carreira, mas será que, diante do atual cenário, não seria o caso de desistir do direito, buscar outra faculdade, outra profissão? Ou não, devo continuar me esforçando aguardando algum reconhecimento, ainda que isto custe minha saúde mental, em troca desse sonho que se tornou verdadeiro pesadelo?

Por favor, me responda, seria um acalento nessa fase tão confusa e estranha que tenho passado.

Att.

Fulana

Hummmm, deixe-me contar um pequeno segredo: eu também já passei por isso!

Já fui "escravo" em bem mais de um emprego e senti na carne a desilusão de oferecer mais do que efetivamente recebi.

Em um destes empregos eu era responsável pelo TST. Fazia recursos de revista, agravos embargos e recursos extraordinários. Trabalhava tanto que simplesmente não tinha vida social, pois o escritório era grande e o volume de processos também.

Trabalhava sábados e domingos para dar conta da demanda e ouvia sempre a mesma coisa do meu chefe: "você é brilhante e terá um belo futuro conosco!" Até é interessante ser chamado de brilhantes, mas quando chegava o salário o brilho não era tão intenso assim. Eu era "brilhante" e recebia R$ 1.100,00 por tudo o que fazia.

Brochante...

O resultado disto foi que tive um ataque de ansiedade, traduzido por uma taquicardia inexplicável. Pensei até que era cardiopata! E sofrer isso foi necessário para eu me dar conta de que o meu trabalho, onde eu era "brilhante", estava me matando.

Pedi o chapéu...

Evidentemente, um tempo depois descobri que havia um outro ser "brilhante" no meu lugar, usando os meus modelos e se matando para dar conta do serviço. E isso me aconteceu, provavelmente, antes mesmo de você entrar na faculdade.

Esse é o mercado, repleto de seres brilhantes, sorrisos, tapinhas nas costas e salários medíocres...

A primeira coisa que você deve ter em mente é que essa é a realidade. Não há nada de estranho acontece com seu chefe ou na região onde você mora. Em regra, e para a maioria, este é o mercado e nada está errado.

Na realidade, o mercado nunca está errado.

E nunca está pelo simples fato de que os valores pagos e carga de trabalho distribuída corresponde a uma série de consensos informais estabelecidos por entre todos os empregados e empregados. Isso tudo é distribuído de forma homogenia por todo o sistema sem que as partes, de forma deliberada, compactuem com os valores.

Ontem mesmo eu acompanhei, no CFOAB, um debate sobre a remuneração dos profissionais da advocacia, honorários de sucumbência e aviltamento da profissão.

Debate inútil...

A OAB discute estes temas há muito tempo, e há muito tempo o mercado está assim. A tentativa de controle artificial de valores e preços é algo muito difícil de ser implementado, como também é reflexo do desajuste do próprio sistema.

E, claro, no debate de ontem ninguém sequer cogitou em acabar com a figura funesta do advogado associado, forma criada pela própria OAB para elidir o pagamento de obrigações trabalhistas. Qualquer medida que seja adotada esbarrará na figura do advogado associado.

Em suma: nada vai mudar.

Não é o mercado, cara fulana, que precisa mudar, e sim você.

Se seu salário é de apenas R$ 1.500,00 e você trabalha feito uma condenada, isso é reflexo exclusivo da sua condição pessoal. O mercado está aí e continuará onde está; profissionais ávidos pelo seu emprego existem aos montes e não deixarão de existir, e isso não só na advocacia, diga-se de passagem.

Tenha em mente algumas coisas:

1 - O início da profissão é assim mesmo! Muito trabalho e baixíssima remuneração.

2 - Você pode criar seu próprio escritório, mas estará "crua" para o mercado. Considere o fato, e isso é importante, de que adquirir experiência é um elemento importante para o processo de maturação.

3 - Adquirir experiência, e isso é uma troca que você tem com seu empregador, lhe dará maturidade, não só profissional como pessoal. E maturidade é importante para os passos futuros.

4 - Tenha para si mesma um plano futuro DERIVADO do seu momento atual. Ou seja: seu atual emprego é uma etapa para o seu próximo passo.

5 - Ao ter um plano, um projeto PESSOAL no futuro, você FINALMENTE vai entrar no próprio jogo do mercado. Sua insatisfação é derivada de sua incapacidade de compreender os fatos. Quando você entende que seu momento atual é fruto de um contexto, e que sua insatisfação é resultado da baixa remuneração e alta carga de trabalho derivados do p´roprio contexto pessoal, você se liberta da aflição, pois entende finalmente que este é o jogo.

Exatamente aí você dá o pulo do gato: você pode largar seu emprego a qualquer momento sem sentir um pingo de dor na consciência, pois quem te paga mal sabe que não tem como te segurar e muitíssimo menos sabe que não poderá reclamar quando você decidir ir embora.

Empregador, quando quer manter alguém, paga um salário recompensador. Simples assim!

Logo, tenha para si mesma um plano, um projeto pessoal, um próximo passo na carreira que, após uma série de etapas profissionais irá desembocar exatamente onde você quer.

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Isso implica também em renúncias, em deixar o emprego, e, em certos momento, ter o ego ferido de uma ou de outra forma. Todo mundo colhe frustrações em sua vida profissional. Eu mesmo colhi várias, mas nem por isso parei de ansiar por coisas melhores. Cada pancada que você leva se torna um aprendizado. Aceite isso.

Faz ideia do porquê o mercado dos concursos públicos ser tão inflacionado hoje? Te dou uma só chance de responder!

É isso mesmo: o espaço na iniciativa privada é bem mais árido e amargo. As pessoas preferem enfrentar os sacrifícios dos concursos do que passar anos e anos TENTANDO construir uma carreira na iniciativa privada, e sem a perspectiva de conseguir.

Para fechar, cara Fulana, acima de tudo tenha para si mesma um PLANEJAMENTO DE CARREIRA, passo a passo, perspectiva por perspectiva. Não precisa ser um planejamento completo, exaurido até o ponto em que você gostaria de se ver, pois não temos o dom de ver tão longe no futuro. Mas ao menos tenha os dois próximos passos desenhados na sua imaginação.

Junto a isto também perca o medo, se ele existe, de deixar um emprego que te dá apenas frustração e infelicidade.

Quando deixá-lo? Exatamente no momento em que ele não puder mais te dar nenhuma recompensa de ordem intelectual, de experiência ou uma perspectiva TANGÍVEL de futuro.

"Você é brilhante e terá um futuro conosco" é motivador, mas também pode ser uma armadilha do empregador para manter o pobre advogado assalariado mais tempo preso a uma promessa futura e incerta. Quando esse "futuro brilhante" começa a ser postergado por conta de "problemas" ou conjunturas desfavoráveis, é porque ele provavelmente não passa de uma falsa promessa. Já vi acontecer demais isso com muita gente, o tempo todo.

Faça seu planejamento, procure se diferenciar dos demais integrantes do mercado, ou seja, estude muito, e aceite o fato de que efetivamente demora conseguir um lugar ao sol.

Mas, diferentemente dos concursos, quem vence na advocacia não tem um teto remuneratório - costuma ganhar muito, muito mais do que o mais bem remunerado servidor público. Demora mais, mas acontece.

Reforçando: planejamento e perspectiva de futuro, esses são os elementos para você se repensar.