A hora e vez de Maria Odete, a examinanda que pagou a faculdade vendendo churros

Segunda, 22 de janeiro de 2018

A hora e vez de Maria Odete, a examinanda que pagou a faculdade vendendo churros

Ontem eu e parte da equipe do Jus21 estávamos no local de prova quando nos deparamos com a Dona Maria Odete. Ela estava lá para fazer pela primeira vez a 2ª fase do Exame de Ordem em Direito Tributário.

Tomei contato com a Dona Maria Odete em 2015, quando li uma matéria no Correio Braziliense sobre ela. Uma pessoa obstinada, que estava naquela época prestes a se formar em Direito depois de pagar a faculdade (e sustentar a família) vendendo churros na rodoviária de Brasília.

Confiram a matéria que fiz na época:

Hoje pela manhã vi uma reportagem do jornal Correio Braziliense sobre a Dona Odete, uma senhora de 46 anos que vende churros a um real na plataforma inferior da Rodoviária de Brasília e está terminando de cursar a faculdade de Direito.

Mineira vende churros na rodoviária para pagar a faculdade de Direito

Ao ler não tive dúvidas: tinha de ir conhecê-la!

Cheguei na Rodoviária e custei até achá-la, pois o local é muito grande e repleto de lojas e pessoas.

A história dela é de muito sofrimento e luta. Ela e o irmão se criaram na vida, pois ela nunca conheceu o paie sua mão morreu quando ela tinha apenas 7 anos de idade. Dos 12 aos 19 trabalhou como doméstica. Aos 19 casou e deixou o emprego, e morou com o marido por 3 anos, até se separar. A partir daí passou a vida vendendo balas e doces.

Aos 39 fez um supletivo para terminar o ensino médio e entrou em uma faculdade de Direito, o Processus, aqui do Distrito Federal. Chegou a pensar desistir do curso, mas uma professora da faculdade, Maria Christina, a fez continuar.

Agora faltam-lhe 4 disciplinas para concluir a faculdade. Ela tentou a sorte nos dois últimos Exame de Ordem, mas não obteve êxito, ficando por pouco para a 2ª fase.

 rotina dela é pesada. Sò à noite ela consegue ver algumas aulas, todas no YouTube. Evidentemente, dei-lhe um dos cursos do Portal para ajudá-la na preparação.

A Dona Maria Odete é a síntese das pessoas que, apesar de todas as dificuldades da vida, dá um duro danado e não para de sonhar com um futuro melhor. Ela não desiste do seu sonho e segue em frente, por mais que a vida diga não ou por mais que ninguém acredite nos sonhos dela.

Após a reportagem de hoje pude presenciar várias pessoas vindo não só comprar os churros como também cumprimentá-la. Na hora ela me mostrou alguns livros que recebeu ainda pela manhã, de advogados, que passaram por lá e foram cumprimentá-la. Qualquer um sabe reconhecer os méritos de uma pessoa que batalha de forma limpa e honesta para vencer.

Ela merece vencer!

E ela vai!

Ontem encontramos com ela no local de prova e, claro, fomos dar uma força a ela.

Trata-se de uma pessoa com muitos sonhos e que, acima de tudo, é muitíssimo obstinada. Nossa torcida por ela é muito grande. Confiram uma reportagem de 2016 do G1 sobre a história de vida dela, e tirem disto forças para sempre, aconteça o que acontecer, vocês seguirem em frente!

Vendendo churros a R$ 1 por 7 anos, mulher conclui faculdade de direito

Depois de sete anos vendendo churros a R$ 1, uma moradora de Brasília realizou nesta terça-feira (13) o sonho de se tornar bacharel em direito. Maria Odete Silva, de 46 anos, trabalha 12 horas por dia na Rodoviária do Plano Piloto para garantir o dinheiro, que também banca a escola dos dois filhos adolescentes e mantém a casa da família. Em meio a outros 80 formandos, ela foi homenageada por um professor e ganhou um anel de formatura de uma amiga.

A mulher, que chegou a passar por imprevistos ao longo do curso por dificuldades financeiras, já traçou novas metas. ?Ainda tenho o sonho de conquistar a OAB e ir para promotoria. Assim que Deus me permitir, [vou] estudar mais três anos e chegar à tão sonhada promotoria?, diz.

Para ela, o sucesso só foi possível por ter acrescentado amor e carinho à receita tradicional do doce ? que leva farinha de trigo, sal, margarina, açúcar e baunilha. O produto é vendido nos sabores goiaba, chocolate, doce de leite e misto.

O início não foi fácil. Maria Odete chegava a ir para a faculdade só para assinar chamada e então ir para a rodoviária para começar a vender os churros, para não deixar de ganhar dinheiro. Por vezes, funcionários da loja de calçados do irmão precisaram socorrê-la enquanto ela corria para fazer provas. Os estudos e exercícios eram feitos em um banco atrás do carrinho. Os livros eram todos da biblioteca. A mulher passou a contar com a ajuda do marido na venda dos 10 kg de churros fabricados por dia.

?Tive medo de não conseguir. Entre o sétimo e o oitavo semestre, eu quase desisti. Eu achava que não dava conta, porque as matérias estavam cada vez mais difíceis e eu pensava 'eu não vou dar conta, não vou dar conta'. Teve um semestre que fiquei todinho sem pagar, que tive dificuldade financeira?, lembra. ?Minha professora me viu falando isso, entrou e disse: ?se você chegou até aqui, você consegue muito mais?. Ela dizia que seria uma honra entregar minha carteirinha da OAB e que ainda iríamos advogar juntas. Isso me incentivou ainda mais.?

Maria Odete conta que sempre teve o apoio dos colegas, que emprestavam anotações e a lembravam das datas de prova e trabalhos. O filho caçula, que sonha em seguir a mesma carreira, e a filha mais velha, que pretende fazer medicina, também estimulavam a mulher nos momentos de dificuldade. Ela diz que a única pessoa que a questionou sobre a necessidade do estudo foi o marido, durante uma discussão.

?Ele falou em um momento estressado, disse que não sabia o porquê desse curso que faço, não sabia o porquê, desculpa pela expressão, essa ?merda? de faculdade. Mas nunca fui por ele, sempre quis crer que eu era capaz. Não sei se ele achava que eu não tinha capacidade ou que era fogo de palha. Mas eu sei para quê eu faço. Eu sei, quero provar não só para ele mas para mim mesma que sou capaz?, disse a vendedora de churros.

A mulher afirma que outra razão para insistir no curso foi a crença de que estudar liberta. ?Você aprende muito, você cresce muito, você aprende a ver as coisas de outro jeito, abre sua mente. Sempre pensei isso, mas não tinha oportunidade. Pelo cansaço, sabe. Aí um dia pus na minha mente e pensei: ?não, vou estudar agora?. Se eu não arranjasse esse agora logo, ele nunca viria. Fiz o EJA e pensei que era a minha hora de vencer.?

Na plateia durante a formatura, a família estava orgulhosa. ?Ela merece, é uma guerreira e estamos aí junto com ela?, disse o gerente comercial Marcos Dias. ?Muito importante para ela. Ela conseguiu tantas coisas. Conquistou e foi muita luta, então foi bem legal isso aí para ela?, afirma a filha, Mayara Cristina da Silva. ?É muito legal ver isso tudo que ela passou, que vem passando, e [ela] estar aí agora?, completou o filho, Marcos Dias Júnior.

Entre os sonhos de Maria Odete junto à carreira de direito estão conseguir levar os filhos à Disney, viajar pelo Brasil e trocar o carro da família. ?Eu também queria ter uma casa. Eu pensava, quando trabalhava nas casas de família, via aquelas salas bonitas, pensava ?um dia vou ter uma sala dessas, uma casa desse jeito?. A casa do meus sonhos é com uma sala bonita, confortável, que eu me sinta bem. Nunca tive privacidade. Meus filhos também querem ter o canto deles. Eu queria uma casa com um quarto para cada, em Vicente Pires mesmo. E uma casa com piscina, já imaginou? Aí é sonho demais, é bom nem pensar, porque o tombo é alto.?.

Trajetória difícil

Maria Odete passou os quatro primeiros anos de vida com a avó em Araçuaí, no interior de Minas Gerais. A mãe era doméstica em São Paulo e mandava dinheiro todo mês para os gastos com ela e os dois irmãos. Depois, as crianças foram morar com a mulher, na casa de uma tia.

Quando Maria Odete tinha 7 anos, a mãe decidiu voltar para MG com os dois meninos. A despedida foi também a última vez que ela viu a mulher, que morreu quatro anos depois ao cair e ser atropelada por um caminhão de boias-frias. Aos 12, ela abandonou a escola e passou a trabalhar como doméstica.

?A vida foi boa não, mas o mundo nos criou. Agradeço a Deus que, tínhamos tudo para ir para o lado errado, mas Deus nos orientou e nos criou certinho?, diz.

Aos 17 anos, Maria Odete decidiu fazer o supletivo até a 8ª série. Dois anos depois ela se casou e se mudou para o interior, onde passou a trabalhar na colheita de algodão e amendoim. O relacionamento acabou três anos e meio depois, por causa de ciúmes, e a mulher voltou para São Paulo para voltar a ser empregada.

Anos depois ela conheceu o atual marido e teve os filhos ? Mayara, com atualmente 17 anos, e Júnior, com 15. Uma enchente destruiu tudo o que eles tinham em casa, e a então patroa os ajudou emprestando um apartamento e dinheiro para a reforma.

?Ela pagava as contas, não precisei me preocupar com nada. Ela foi uma mãezona, a mãe que eu não tive. Ela pegou minha roupa toda cheia de lama, lavou tudo para mim, me ajudou a lavar a enchente. Eu trabalhava para pagar. Ela ia descontando o valor?, lembra.

Já de volta à casa da família, Maria Odete se viu incomodada. ?Um dia eu acordei de manhã, meu filho queria pão. Eu não tinha dinheiro para comprar pão. Minha tia [com quem morou na infância] me deu R$ 10. Eu pensei bem e decidi comprar bala, pirulito e chiclete. Peguei um caixote, de uma tampa de guarda-roupa que eu perdi na enchente, forrei e comecei a vender meus docinhos. Fazia isso à tarde, na porta de casa, depois de chegar do trabalho.?

A mulher viu que a ideia funcionava e passou também a vender espetinhos. O dinheiro continuava no limite da necessidade. A vendedora de churros conta que um dia conseguiu juntar uma quantia para comprar pastel, mas acabou desistindo ao ser abordada por uma criança com fome.

?Ele era mais carinho e bem gostoso. Eu estava toda animada, peguei o dinheirinho pensando ?hoje vou levar meu pastelzinho, uma delícia?. Mas aí um menino me abordou porque queria comida, uma bolacha recheada. Aí dei o dinheiro para ele. Fui com ele comprar uma bolacha para ele no mercado. Fiquei sem meu dinheiro, mas achei melhor dar para ele do que para mim. Pensei: ?depois eu como?. Mas não comi até hoje?, ri.

Maria Odete diz não se lembrar de passar fome, mas afirma que a tia costuma contar algo diferente. ?Ela fala que, quando eu era pequenininha, não tinha comida para me dar. Aí ela fazia uma chupetas com açúcar ou rapadura e farinha e punha na minha boca, para eu parar de chorar.?

A vendedora de churros, que já precisou esperar dois meses para juntar dinheiro suficiente para comprar um livro de menos de R$ 100 para a faculdade, afirma ter orgulho da própria trajetória.

"Acho que a gente trabalhando a gente vence. E é o que quero deixar para os meus filhos, que você só vence com luta. Sempre falo para eles que a mãe não pode deixar nada para eles, só o conhecimento, o estudo. Isso ninguém pode roubar deles. Não quero que eles passem o que eu passei. Estudo é a única herança que consigo deixar para eles, nem se alguém puser uma arma na cabeça deles consegue roubar isso", conclui.

Vinda para Brasília e escolha do curso

Maria Odete morava com o marido e os filhos em São Paulo, mas decidiu se mudar para a capital federal em busca de tratamento médico para o caçula, que tinha problemas para respirar e precisava viver em um lugar com menos poluição. A mulher viu na mudança uma oportunidade de romper com a rotina de empregada doméstica e deixar para trás todas as limitações da vida ?sem nada além de arroz e feijão? que a família levava.

Ela passou então a viver com a família na casa do irmão mais novo, em Vicente Pires ? a 20 quilômetros do local onde trabalha. O único quarto, que a obriga a dividir a cama com a filha mais velha enquanto o marido e o filho dormem no chão, virou sinônimo de conquista e estímulo. Maria Odete passou a vender calçados na loja do irmão na rodoviária. Uma colega deu então a ideia de aprender a fazer os doces, que ela abraçou sem ressalvas.

?Ela [a colega] me levou, me ensinou a fazer a massa. Foi assim?, lembra sorrindo. ?Desde então eu acordo às 5h40 para preparar as coisas e trabalho de domingo a domingo, de 8h às 20h. Sou cheia de calos e queimaduras, aqui não tem espaço para mão lisinha. E sou muito feliz. Aos poucos, dentro do que alcanço com meus passos, tenho conseguido alcançar tudo.?

No contato com os clientes, Maria Odete imaginou como seria se tivesse curso superior.

Depois de conciliar o trabalho com as aulas do Ensino para Jovens e Adultos (EJA), ela entrou para uma faculdade particular de direito na Asa Sul aos 41 anos. As atividades aconteciam pela manhã. A mulher já apresentou o TCC, sobre as dificuldades do governo em lidar com invasões de áreas de proteção permanente, e atualmente refaz quatro matérias.

?Eu escolhi esse curso pela minha idade, já estava em uma idade avançada, e o campo de direito é amplo. Para trabalho, quero passar em concurso público. Penso em ser promotora de Justiça. Quero fiscalizar leis. Quero ser uma fiscal das leis. Quero ajudar um pouco as outras pessoas?, explica.

Fonte: G1