Quarta, 12 de abril de 2017
Minha primeira ideia para escrever este texto era a de chamar a audiência pública ocorrida ontem sobre o novo marco do ensino jurídico de inútil.
Inútil porque os representantes do Conselho Nacional de Educação - CNE - simplesmente não levaram para os participantes a proposta do novo marco, deixando todo mundo no vácuo. Aliás, este, o vácuo, só não foi absoluto porque eu publiquei com exclusividade aqui no Blog a proposta.
Análise pontual da proposta para as novas diretrizes do curso de Direito
Exclusivo: Principais pontos da proposta da nova diretriz dos cursos de Direito
Mas como o documento do Blog não foi fornecido de forma direta pelo CNE, pairou sobre ele razoáveis dúvidas (mas, eu garanto, era o documento original). Foi, contudo, o suficiente para os muitos representantes das faculdades de Direito questionarem os surpresos representantes do CNE, que não esperavam o bombardeio de perguntas advindas das publicações.
Eis então o porque da audiência não ter sido inútil: serviu para mostrar, cabalmente, que o CNE NÃO quer nenhum debate sobre a questão. Tanto não quer que não disponibiliza o documento.
O CNE sonega sistematicamente informações sobre o novo marco da educação jurídica de forma deliberada. Como escrevi anteriormente, passei mais de um ano diligenciado atrás deste documento. Depois de tanto tentar consegui apenas na semana passada. Por sorte, antes da audiência.
O fato é: o novo marco tem como propósito EXCLUSIVAMENTE aumentar a lucratividade das grandes empresas ligadas à educação jurídica. Passa longe de melhorar, ou mesmo modernizar, o ensino jurídico, como foi dito na audiência.
A proposta ignora por completo pontos importantíssimo que assolam a educação jurídica atual:
1 - O elevado número de analfabetos funcionas que ingressam no ensino superior, e, claro, no ensino jurídico:
No ensino superior, 38% dos alunos não sabem ler e escrever plenamente
Como analfabetos funcionais conseguem chegar ao ensino superior? Por que os processo seletivos das faculdades falham em impedi-los de ingressar na graduação, pela mais absoluta falta de capacidade em cursar uma faculdade?
2 - A elevada taxa de evasão das faculdades de Direito;
3 - As muitas denúncias de instituições com infraestrutura precária que ainda assim funcionam;
4 - As muitas denúncias de faculdades que simplesmente não reprovam seus alunos, independentemente do desempenho acadêmicos destes;
5 - A desconexão entre o ensino jurídico atual com o mercado. A falta do ensino de metacompetências tem prejudicado milhares de estudantes, que saem das instituições cheios de conteúdo jurídico mas incapazes de manejar ferramentas para operar no mercado, empurrando a maioria para o universo dos concursos públicos.
O marco não enfrenta os grandes problemas atuais da graduação jurídica. Apenas vem com inovações utópicas e terminologia genérica que no fundo servem para introduzir inovações que visam reduzir o tempo de duração do curso de Direito e aumentar a lucratividade da operação.
Se a proposta for aprovada da forma como se apresenta, teremos as seguintes consequências:
1 - Redução do tempo de duração da graduação, que passará a ser de 4 anos, sem descartar a hipótese de ser possível reduzir esse tempo para apenas 3 anos, pois seria facultado às faculdades gerirem livremente a distribuição das 3.700 horas necessárias para um aluno completar os estudos. A introdução do conceito de atividades "extraclasse", que contariam como horas-aula, está no centro dessa possibilidade;
2 - Demissão em massa de professores universitários, como consequência natural da proposta;
3 - Precarização da prática jurídica, com impacto sensível na capacidade dos egressos em operacionalizar o Direito;
4 - Aumento, ainda mais, da saturação do mercado.
Não pode ser boa a visão sobre uma proposta que NÃO vem sendo debatida abertamente com a sociedade. Como se fala em modernizar o ensino jurídico se o novo marco vem sendo costurado por um pequeno grupo de pessoas, sem o feedback das instituições e, claro, da OAB?
Isso é risível!
Ontem foi dito que o documento seria "em breve" disponibilizado para todos. Será mesmo?
O maior alívio entre os presentes ocorreu quando um dos representantes do CNE disse que seria aberto o debate antes da proposta ser levada ao MEC para homologação. Considerando o medo sincero dos presentes de que isso não acontecesse, pois o próprio CNE já havia tornado público que queria aprovar a proposta ainda neste primeiro semestre (independente de qualquer coisa), dá para ver o quão pequena é a vontade do CNE de modificar o texto.
E, ainda que seja disponibilizado, será a versão do relator da proposta. Quando ela for elevada para julgamento no plenário do CNE essa proposta AINDA vai passar pelas mãos do revisor, e ele poderá mudar tudo.
O risco de levarem para o ministro da educação uma proposta diferente da que vier a ser discutida em público é significativo.
É o que se espera que aconteça após uma proposta de tal importância ser elaborada por poucos e, até hoje, ser mantida em sigilo.
A discussão sobre o marco, desde o início, deveria ter sido aberta. Até hoje NINGUÉM tem a minuta da proposta! Isso é imperdoável!
A vigilância da OAB ao menos está agora jogando luz sobre a questão. E eu espero, de verdade, que a Ordem judicialize isso se o CNE tentar aprovar a atual proposta: ela passa longe, mas muito longe, de representar o interesse dos estudantes e dos professores preocupados em formar com qualidade.
A proposta é péssima!
Para isto, para saber que as coisas não estão indo bem, a audiência de ontem prestou.