Terça, 11 de abril de 2017
Ontem publiquei aqui um longo texto sobre a nova proposta para os cursos de Direito.
Como fiz uma contextualização relativamente abrangente, muitos reclamaram que o texto estava muito longo, no que sou obrigado a concordar.
Exclusivo: Principais pontos da proposta da nova diretriz dos cursos de Direito
Segue agora uma versão mais objetiva das mudanças, que estão na proposta de resolução elaborada pelo CNE para a graduação em Direito.
Lembrando que hoje essa proposta será objeto de discussão no CFOAB. Estarei presente lá para saber o que a OAB irá fazer.
Vamos a elas:
NOTA: a proposta apresenta aqui um conceito, ao meu ver, fundamental dentro da resolução. O que seriam essas atividades "extraclasse" mencionadas no inciso IV e no inciso IV do § 1º?
Esse termo, sem uma definição clara dentro do escopo da resolução, é oriundo o ensino fundamental. No ensino superior nós temos as atividades complementares, mas não extraclasse. E são coisas bem distintas!
Anotem isso, pois faz sentido dentro da resolução como um todo, mas mais para frente o real significado será compreendido.
NOTA: Reparem no § 2º. A resolução elege um "princípio", o da educação continuada, e permite uma inclusão no PCC das faculdades uma oferta de pós-graduação.
Que eu mal pergunte, mas "pós" não é algo que vem depois? Porque colocar no PCC a oferta de pós?
Eu respondo: porque é atraente para as faculdades prender o aluno da graduação dentro de um curso de pós e, claro, aumentar a margem de lucro com a própria pós.
Nem todo mundo que sai de uma graduação faz uma pós, mas, com esse franqueamento, a proporção de graduados que farão uma subirá sensivelmente. Os negócios vão melhorar, é claro!
Mas pedagogicamente isto é correto? Ela não deveria ficar de fora da graduação pois se trata de um segundo momento dentro da formação profissional?
Óbvio que sim!
Mas o CNE, que não quer a opinião da OAB em nada, acha que não.
NOTA: Vamos olhar agora o § 3º.
O que significa essa definição de "cursos presenciais?" Estão admitindo uma graduação online? Por que essa distinção?
Essa é a primeira consideração.
A segunda é mais interessante ainda!
"A carga horária das atividades extraclasse é constituída por efetivo trabalho escolar."
Anotem bem esse conceito, porque ele fará ainda mais sentido logo mais a frente!
Quer dizer que "atividades extraclasse" valem como carga horária? Então o "dever de casa" dos graduandos valerá como hora-aula?
Muito interessante! Esse conceito é o pulo-do-gato para se "ministrar aula" e cumprir carga de horas aulas colocando os alunos para estudarem por conta própria! Muito bom para quem vai receber pela hora-aula sem efetivamente ministrar a aula em si.
Mas vai ser bom também para uma outra coisa. Já chegaremos lá!
NOTA: Os antigos eixos de formação fundamental, profissional e prática foram renomeados.
No de formação geral, correspondente ao fundamental, temos a inclusão do Direito Romano como disciplina obrigatória.
Pergunto: para quê?
Direito Romano poderia entrar em História do Direito tranquilamente. Qual é a utilidade hoje dessa disciplina para a formação geral do estudante?
Sim, não ignoro a importância histórica do Direito Romano, mas ele poderia perfeitamente continuar como disciplina optativa que não iria prejudicar a formação de ninguém.
Já na formação técnica-jurídica parece que tivemos a inclusão de uma disciplina especialmente para agradar o MP: Tutela dos Direito e Interesses Difusos.
Qual é o tamanho dessa disciplina? Quais seus limites? Quem define isso? Ela seria básica para o exercício da profissão?
Creio que não.NOTA: De novo temos as atividades extraclasse, agora no § 1º, esse conceito do ensino fundamental que resolveu invadir a graduação.
NOTA: Como assim a OCC de graduação estabelecerá as condições para a sua efetiva conclusão? Isso significa dizer que até mesmo o TEMPO da graduação poderá ser determinado pela própria faculdade?
A redação não é clara.
Lembram da questão das atividades extraclasse? Guardem essa ideia, o melhor ainda está por vir.
NOTA: O parágrafo 2º do art. 7º tem uma inovação absolutamente impressionante: a "reprogramação" das atividades do estágio em função das competências reveladas pelo aluno, ou seja, é o estágio que se adapta ao aluno, e não o contrário.
Isso não existe!
Dentro do estágio deve ter o cumprimento de atividades correlacionadas ao curso e a absorção de determinado conhecimento. Se o aluno não se adaptar, a coordenação do estágio simplesmente poderá "quebrar o galho dele" e aprová-lo, em função de suas próprias aptidões.
Saber ao menos redigir uma peça inicial pode ser considerado como "domínio indispensável" e pronto, está tudo certo.
O impacto na prática dessa flexibilização certamente será desastroso.
É admirável a redação deste parágrafo. Evidente, resolve o problema da reprovação nos estágios. Reprovar alguém quando a educação não passa de business não é algo desejável.
NOTA: No parágrafo 3º vemos a arbitragem fazendo parte das atividades do NPJ. Quer dizer então que os estagiários poderão arbitrar causas empresariais, por exemplo? E a hipossuficiência necessária para o enquadramento ao direito de ser atendido pelo NPJ? Fica onde?
Os advogados não vão gostar disto, assim como será curioso ver como será implementado na prática.
NOTA: Aqui temos uma tentativa de definição do que sejam atividades complementares e extraclasse.
Com todo o respeito, o texto não diz NADA! É enigmático, pouco claro e vago. Aliás, muito vago!
O que significa isso de "fora do ambiente acadêmico?" Na conceituação acima é simplesmente tudo, sem exceções. E porque essa definição tão vaga?
Algum propósito deve ter.
NOTA: "Formas alternativas de avaliação, interna e externa." O que seria uma forma alternativa de avaliação externa, por exemplo?
Essa redação decreta a morte da prova. Até mesmo o infame trabalho em grupo é vulnerado aí.
NOTA: Chegamos ao ápice da proposta da resolução, onde está o pulo do gato!
O caput fala na carga horária e a integralização em 5 anos.
Já o parágrafo único vem com a exceção: os cursos de Direito em turno integral podem durar 4 anos, desde que não percam a carga horária.
Lembram da ideia de atividade extraclasse?
O que impede que um aluno de um curso noturno, por exemplo, assine uma lista na parte da tarde, de uma atividade extraclasse qualquer (a leitura de um conteúdo) e que essa atividade seja computada como a atividade de um turno, uma vez que a atividade extraclasse pode se dar "fora do ambiente acadêmico"? No período regular, o noturno, ele completaria o segundo turno de forma regular.
Bingo!!!
Toda e qualquer faculdade poderá ser integral seguindo a lógica desta resolução, e todo e qualquer aluno poderá concluir o curso em 4 anos. E, não se surpreendam, se não for possível fazer isso em apenas 3 anos.
Como atividade extraclasse pode ser como carga horária, conforme o § 3º do art. 2º, essa possibilidade está efetivamente franqueada conforme a nova resolução. O turno extra será efetivado com atividades extraclasse, contando como hora-aula, no que implicará na redução da graduação de todas as faculdades para 4 anos, ou menos...
Isso me cheira também a introdução, em larga escala, do EAD nas graduações como atividade extraclasse. Afinal, a resolução não a veda de forma alguma.
Redução da duração do curso, flexibilização nas formas de avaliação, flexibilização em função da própria capacidade do aluno, e não do curriculum do curso, avaliações frouxas, tudo se conecta para se permitir uma graduação rápida e sem embates entre a faculdade e seu aluno.
E, acima de tudo, sem a fiscalização das instituições poder interferir! Afinal, as regras da resolução franqueiam de forma bem aberta a gestão do curso.
Aqui, bem aqui, vejo, sinceramente, a graduação em direito ser diretamente solapada em sua qualidade. Essa proposta de resolução é um desastre em termos da manutenção mínima da qualidade do ensino jurídico.
Essa é a intenção por detrás da resolução.
E, claro, não cabe a OAB fiscalizar o ensino jurídico no país. Por que será?
NOTA: Olho no detalhe: "até" 20%. Ou seja: todo percentual entre 1% até 20% está valendo.
Que beleza!
Isso representa a morte do estágio, ou, com boa vontade, sua precarização. A redução da prática jurídica será inevitável, e em grande parte será drástica, pois para economizar nos custos a prática será solapada impiedosamente.
A proposta, ao meu ver, é desastrosa.
Vai transformar a graduação em Direito em um curso técnico. Pobre, sem avaliações consistentes, flexibilizado e, claro, barato.