Os vencimentos (de fome) do chamado "advogado audiencista" e a crise do mercado da advocacia

Terça, 23 de setembro de 2014

Esbarrei em um site que se apresenta como um intermediador para a contratação dos chamados "advogados audiencistas", ou advogados que se dedicam a fazer audiências, em regra, de contencioso de massa, tal como ações contra telefônicas, bancos e demais empresas que lidam com uma multiplicidade de processos em várias partes do território nacional.

O site é o www.advaud.com.br, que explicitamente se coloca como intermediário neste processo de contratação.

O interessante está no fato do site discorrer com certa propriedade sobre o mercado, justificando os valores pagos aos "audiencistas". Reparem na linha de argumentação:

QUAL É A FUNÇÃO DE UM ADVOGADO AUDIENCISTA?

Tem como função representar empresas em audiências Cíveis e Trabalhistas.

A figura deste profissional hoje é imprescindível, apesar de ter sido discriminada por determinado periodo, hoje tornou-se crucial para quem atua com contencioso de massa.

Em alguns casos trata-se de uma condição temporária, já que muitos recém aprovados no exame da OAB atuam como advogado audiencista para auferir renda, tendo em vista que os rendimentos podem ser bastante consideráveis dependendo da quantidade de audiências que o advogado realizar no mês. Porém, muitos advogados já antigos na profissão, também prestam este tipo de serviço a fim de compor renda extra.

QUANTO GANHA UM ADVOGADO AUDIENCISTA?

De acordo com o que preceitua o Código de Ética em seu Art. 41:

?O advogado deve evitar o aviltamento de valores dos serviços profissionais, não os fixando de forma irrisória ou inferior ao mínimo fixado pela Tabela de Honorários, salvo motivo plenamente justificável?.

Diante do transcrito, temos que o advogado pode cobrar quanto quiser desde que evite o aviltamento.

Cobrar R$ 50,00 (cinqüenta reais) por uma audiência pode parecer um valor irrisório pela realização do ato, porém, se analisaremos o infográfico abaixo, nota-se que a demanda (quantidade solicitada no mês) pode fazer toda diferença.

Senão vejamos:

 

QUANTAS AUDIÊNCIAS É POSSÍVEL FAZER NO DIA?

O Dr. Felipe Xavier de Souza, advogado audiencista que atua no Rio de Janeiro, já chegou a fazer 29 audiências num só dia!!!

Ressalta ainda o Dr. Felipe, que não é um trabalho simples ou de pessoas acomodadas, e que trata-se de uma escolha que mistura oportunidade e conveniência!

Clique AQUI e leia na integra o artigo sobre Advogados Audiencistas divulgado pela OAB/RJ.

COMO SOU CONTRATADO COMO ADVOGADO AUDIENCISTA?

Principie manifestando interesse e divulgando a prestação de seus serviços!

Faça uma apresentação dos serviços e áreas de atuação, anexando um currículo bem resumido e detalhando seus diferenciais. Aproveite para falar também de sua experiência prática e acadêmica.

QUEM CONTRATA ADVOGADO AUDIENCISTA?

Geralmente as empresas contratam as grandes bancas de advocacia nas capitais e estas, por seu turno, contratam escritórios locais, substabelecendo o mandato a estes, que por sua vez, substabelecem os advogados audiencistas pagando, também, os prepostos que recebem por cada audiência realizada.

QUANTO COBRAR POR UMA AUDIÊNCIA?

Nossa equipe tem feito pesquisas em todo território nacional e de tal análise constata-se que os valores abaixo disponibilizados são os médios praticados no mercado e podem servir de parâmetro.

 

Fonte: Advaud.com.br/perguntasfrequentes

Observei dois aspectos interessantes no texto acima.

O primeiro é que o site, de forma inteligente, diz que o advogado deve cobrar um valor livremente, desde que não incorra em aviltamento, mencionando inclusive o art. 41 do Código de Ética.

E, logo após, apresenta um balizamento de cobrança com base no que é atualmente praticado no mercado, em valores que vão de R$ 50,00 até R$ 150,00.

Ou seja, ele apresenta a norma, mas mostra a realidade do mercado.

Aqui no Distrito Federal, por exemplo, a tabela de honorários, no item "prestação de serviços em audiência", aponta como valor mínimo a ser cobrado 5 URH.

Hoje uma URH, no DF, vale R$ 163,50 (cliquem aqui).  Logo, o valor mínimo para um advogado fazer uma audiência é de R$ 817,50, algo bem distante dos valores justificados no site.

O segundo ponto está na indicação de uma matéria publicada no site da OAB/RJ tratando, exatamente, da questão do advogado audiencista e do aviltamento dos honorários. Vou reproduzir a integra da matéria agora:

Remuneração irrisória de audiencistas será pauta de debates dia 21

VITOR FRAGA

A figura do advogado que trabalha para uma empresa ou um grande escritório e recebe um pequeno valor por cada audiência tem se multiplicado por todas as serventias fluminenses. Com a saturação do mercado de trabalho, ser audiencista acaba sendo uma saída mais viável e imediata, principalmente para os profissionais recém-formados, e em especial no interior. Diante da polêmica gerada em torno desses colegas, cuja atuação é apontada como indício da precarização da profissão e do aviltamento dos honorários, a OAB/RJ realizará audiência pública no dia 21 de outubro, às 17h, para debater o problema.

Segundo o presidente da Seccional, Felipe Santa Cruz, a audiência servirá para analisar a situação e propor medidas que possam garantir as condições de trabalho dos profissionais. "A Ordem é contra a proletarização da profissão. Sabemos que há empresas, que inclusive não são escritórios de advocacia, explorando colegas em dificuldades. Queremos fazer uma discussão profunda sobre isso, sobre o perfil da advocacia que desejamos", explica. Felipe ressalta ainda que a Ordem vai combater as empresas que exploram os advogados. "A OAB/RJ será rigorosa com essas corporações que aviltam o trabalho dos colegas, em maioria, jovens e com poucas oportunidades. Temos que defender a advocacia desse tipo de situação, que precariza as condições de trabalho e distorce a essência da atuação profissional".

Com a expansão do ensino superior no Brasil após a década de 1970, diversas profissões - entre elas, a advocacia, com mais de 1.100 cursos de Direito - começaram a viver um processo de desvalorização, ao qual o aparecimento da figura do audiencista estaria ligado. A presidente da Comissão de Sociedade de Advogados da OAB/RJ, Adriana Astuto, pondera que é preciso "contextualizar a figura dos audiencistas no chamado "contencioso de massa" pois é neste segmento do mercado que presenciamos a proletarização da profissão sob todos os aspectos?.

Para Adriana, "a raiz da vulgarização profissional está na contratação puramente mercantilista que fomenta a fixação de salários pagos abaixo do piso da categoria, a exploração da mão de obra de outros advogados para diligências isoladas a um irrisório valor de honorários e a criação de figuras anômalas que estão hoje na ordem do dia da advocacia e que são amplamente divulgadas e consumidas pelo mercado jurídico como práticas legítimas e legais".

Ela discorda da ideia de que os grandes escritórios seriam os principais culpados. "É claro que existem exceções indignas, mas a grande maioria sofre também com o aviltamento dos honorários contratuais. O ônus da proletarização da classe não pode recair exclusivamente sobre eles", defende.

Em geral, escritórios ou empresas recrutam os audiencistas via sites na internet, por email ou indicação de outros colegas. A maioria fica de plantão nos fóruns, realiza as sustentações orais e recebe, em média, entre R$ 20 ou R$ 30 por audiência realizada. Segundo acordo assinado entre o Sindicato dos Advogados do Estado do Rio de Janeiro e o Sindicato das Sociedades de Advogados, válido até 30 de dezembro de 2013, o piso salarial do advogado é de R$ 2.047,58, mesmo valor fixado pelo artigo 1º da Lei 6.402, de 8 de março de 2013.

O corregedor-geral da OAB/RJ, Rui Calandrini, salienta que o Código de Ética e Disciplina (CED) da OAB caracteriza o aviltamento da profissão como infração. "Esse tema tem sido recorrente nos últimos anos, está sendo discutido no âmbito do Conselho Federal e foi objeto de debate no encontro nacional dos presidentes de tribunais de Ética e Disciplina (TEDs) e corregedores. Já existe previsão legal para a prática de tal infração, o artigo 41 do CED", explica o corregedor. Para ele, é necessário reformular o código a fim de que algumas situações sejam previstas de forma mais específica. "A situação é tão absurda que existe uma empresa, chamada Grupo Prazo, que explora tal tipo de prestação de serviço e a fornece a boa parte dos maiores escritórios de advocacia e aos departamentos jurídicos das grandes empresas do país. O dispositivo que atualmente prevê a prática de infração disciplinar mais aplicável a esta hipótese tem como pena a censura. Por isso há o encaminhamento da proposta de reforma do CED, que será feita junto ao Conselho Federal", completa Calandrini.

Advogados pedem ajuda em Duque de Caxias

Ao visitar a comarca de Duque de Caxias recentemente, o presidente da OAB/RJ, Felipe Santa Cruz, foi abordado no fórum por colegas audiencistas que pediram ajuda da Ordem para solicitar melhorias nas condições de trabalho. Embora essa não seja uma realidade exclusiva do município da Baixada Fluminense, a Tribuna foi até o local para ouvir as reclamações e sugestões desses advogados.

Felipe Xavier de Souza defende a existência do audiencista no atual cenário do Direito, embora aponte que, para a maioria, trata-se de uma condição temporária. "A figura deste profissional hoje é imprescindível, apesar da discriminação no mundo do Direito. Absorvemos diversos trabalhos. Além de fazer a audiência, realizamos uma filtragem para os escritórios. Já cheguei a fazer 29 audiências em um dia, não é um trabalho simples ou de pessoas acomodadas. É uma escolha que mistura oportunidade e conveniência. Para mim, a condição de audiencista é temporária", diz.

Ele também tem a expectativa de que a atuação da Seccional possa alterar o quadro. "A Ordem ajudaria muito se tivesse um acompanhamento mais próximo e atuante no sentido de coibir essas práticas dos escritórios. Acredito na OAB/RJ, que é uma instituição séria, e acho que está faltando essa comunicação e a cobrança em relação aos escritórios para que paguem, no mínimo, o piso salarial", acrescenta.

Para Marina Miranda Marinho, não existe diferença entre colega autor e audiencista. "Todos somos advogados, não há divisão de classe e subclasse. Tenho a carteira da OAB, como todos os que foram aprovados no Exame de Ordem. Se você fizer uma análise das iniciais, por exemplo, vai ver que muitas vezes são os advogados autores que não têm qualidade profissional. Há discriminação com relação aos audiencistas", critica.

A colega Daiane Oliveira Pereira também enxerga discriminação. "Não vejo sentido nisso. Um advogado autor ganha muito mais que nós, está em uma situação muito melhor? Não, a situação é ruim para todos. Alguns precisam ter um salário fixo por mês, como é o meu caso. Não é uma questão de qualidade do trabalho. Se me pedirem para fazer uma defesa oral tenho certeza de que ficará muito melhor que algumas feitas por advogados que têm escritório e não são audiencistas", contrapõe.

Por outro lado, o procurador da OAB/Duque de Caxias, Marco Aurélio de Castro Magalhães, mostra preocupação com a desvalorização da advocacia. "Entendo que as pessoas precisam trabalhar, mas hoje vejo o audiencista cumprindo um papel de estagiário. Enquanto alguns veem essa situação apenas como uma etapa, outros estão acomodados. É ruim para eles e para a classe. Esta é uma condição que, no máximo, poderia ser aceitável para um recém-formado. Mas há advogados que se especializam em ser audiencistas, e são explorados pelos grandes escritórios", aponta o procurador.

Na opinião do secretário-geral da 2ª Subseção, Geraldo Campos Dias, a fiscalização dos escritórios não é função apenas da entidade. "Fiscalizar os escritórios não é a tarefa mais imediata da Ordem. Esse trabalho tem que ser feito pelo sindicato e pelo Ministério do Trabalho. Ser audiencista é uma oportunidade inicial e uma opção de sobrevivência, não pode ser algo definitivo".

Adriana Rocha é outra colega a confirmar que os valores pagos aos audiencistas são muito inferiores ao piso e à tabela de honorários. "Há escritórios que pagam por ato, geralmente R$ 20. A diária chega, em média, a R$ 70, mas algumas vezes precisamos fazer 20 audiências por dia. Tenho um contrato com o escritório, eles pagam um fixo de R$ 1.350, e ainda uma tabela de R$ 12 por audiência. Não recebo nenhum benefício, tenho que pagar por fora previdência e plano de saúde. A gente espera da OAB/RJ uma fiscalização desses grandes escritórios, que estão pagando cada vez menos", argumenta.

As reclamações são reforçadas por Cristiane Ferreira Santiago Theodoro. "Não recebo o piso, recebo por ato praticado, não tenho vínculo. Queria que a Ordem fiscalizasse esses escritórios. Dizem que não temos vínculo e não somos empregados, mas na prática somos", relata.

Fonte: OAB/RJ

Muito bem!

O site do www.advaud.com.br funciona como um intermediário dentro dessa realidade. Ou seja, é uma consequência do que é praticado no próprio mercado. Ele não cria as condições, apenas facilita a efetivação dos negócios.

O problema, ao meu ver, não é o site em si, e sim o mercado onde ele opera.

O problema é a realidade tomada em si mesma.

A notícia do site da OAB/RJ mostra, e bem, como a expansão educacional irrefletida e mercantilista afetou a advocacia. Mesmo existindo o Exame de Ordem o número de profissionais ultrapassou o ponto de saturação, e isso, inexoravelmente, joga os valores pagos a título de honorários para baixo.

É a lei da oferta e da procura em seu estado mais natural.

Ontem publiquei o post sobre uma entrevista do atual presidente da OAB, Dr.Marcus Vinícius. Ele categoricamente disse que a "lei de mercado não pode ser a lei da selva", em uma referência aos honorários hoje praticados.

"A lei de mercado não pode ser a lei da selva", ou, "pode a OAB salvar os advogados de honorários pífios?"

E tal como escrevi antes, simplesmente não vejo como a Ordem possa interferir nessa realidade.

A questão é praticamente insolúvel!

Daí, de certa forma, fazer sentido a atuação do advogado mencionado no site de busca de audiencistas. Ele fez em um único dia 29 audiências, talvez cobrando uns R$ 25,00 cada, rendendo-lhe, talvez, R$ 725,00 naquela oportunidade.

É um exemplo claro, e clássico, de adaptação a uma realidade. E essa É a realidade!

Afora ter sido um feito notável de ordem física e mental, impossível de ser repetido por vários dias seguidos!

E aqui uma observação da MAIS ALTA IMPORTÂNCIA: e a responsabilidade do advogado perante o seu cliente?

Duvido que este advogado, que fez 29 audiência em um único dia, se inteirou por completo de todas as causas. Advogar dssa forma é algo altamente temerário, tanto para o advogado, como para o contratante e, em especial, para o cliente.

Tratar a audiência como um procedimento de praxe, desprovido de consequências de ordem cível, é um grande erro! Qual é a qualidade na defesa dos interesses de um cliente que um advogado que atua no limite da exaustão em nome de arregimentar meros 25 ou 50 reais pode empregar?

É muito diferente cobrar R$ 800,00 por uma audiência e estar PRONTO de verdade para ela do que atuar de forma açodada.

Isso sem considerar o fato de que o advogado audiencista pode não ser, exatamente, um especialista na lide em que está se envolvendo. Duvido que quem trabalhe com volume de audiências para garantir o pão de cada dia faça de fato uma diferenciação entre o que é uma audiência cível, criminal ou trabalhista: o importante é assegurar o ganha-pão.

Isso, para o jurisdicionado, é um verdadeiro PERIGO!

Eis o drama! Como pode a Ordem intervir na atuação de um mercado formado por profissionais que são, essencialmente, liberais? A advocacia é uma profissão liberal por excelência, a livre pactuação de honorários é virtualmente impossível de ser fiscalizada.

Volto então a repetir o mantra: a única forma de fugir dessa realidade é se DIFERENCIANDO do restante dos colegas. Advogado é uma commodity, ou seja, um "produto" encontrado em abundância e passível de ser facilmente substituído.

Sob estas condições, é impossível querer receber de forma diferenciada. Ou o advogado se prepara, investe na carreira e se faz diferente, ou está condenado a ter de fazer dezenas de audiências por semana para conseguir um salário minimamente satisfatório.

Talvez isso não incomode alguns, mas devo lembrar que esse tipo de atividade não dá como retorno uma bagagem consistente para uma futura progressão profissional. Manter-se como audiencista pode representar uma condenação: ser audiencista ad aeternum.

Logo, conheçam a realidade para poderem se situar. Para ser diferente é preciso FAZER diferente.