Segunda, 22 de setembro de 2014
Ano passado escrevi um post sobre o atual contexto da remuneração dos jovens advogados e a crise instalada na advocacia:
O texto ganhou uma grande repercussão pois este quadro é absolutamente aviltante para a classe como um todo e para qualquer profissional. Tudo resultado de uma série de fatores que, uma vez somados, convergem para o atual estado de precarização.
Neste final de semana o Conjur publicou uma entrevista com presidente da OAB, Dr. Marcus Vinícius Furtado Coelho, abordando uma série de questões de interessa da advocacia (vejam a entrevista completa AQUI), e, entre elas, a questão dos salários aviltantes.
Vou reproduzir só este trecho e, posteriormente, fazer algumas considerações:
ConJur ? No que diz respeito aos honorários contratuais, qual é a proposta?
Marcus Vinicius ? Que se respeite a liberdade contratual do advogado com o poder público, para que não haja qualquer tipo de tentativa de criminalização da advocacia. Isso é o princípio que nós temos na própria lei de licitação: o advogado deve ser qualificado pela inexigibilidade de licitação como é fixado por súmula do Conselho Federal da OAB. Essa matéria está em tramitação no Supremo Tribunal Federal, o ministro Dias Toffoli é o relator e já pediu inclusão do caso na pauta, estamos aguardando apenas o dia do julgamento. Ganhamos recentemente no Tribunal Superior do Trabalho o direito de o advogado ser contratado pelo sindicato de forma livre. O Ministério Público do Trabalho havia questionado a contratação dos advogados por sindicatos e o TST definiu que essa matéria é de relação privada, de direito disponível. Ora, a Constituição assegura aos sindicatos o poder de substituir processualmente os seus associados. Do ponto de vista dos honorários contratuais também estamos muito preocupado com o fenômeno, que é o fenômeno do aviltamento de empresas privadas na contratação de escritórios de advocacia. Fixa por processo judicial/mês o valor de R$ 14. O escritório que pratica este valor é obrigado, na ponta, a pagar valores aviltantes ao advogado, que é chamado ?pautista?. É o advogado que vai fazer uma pauta, que vai fazer uma audiência. A origem do problema está lá na contratação.
ConJur ? Qual é a possível atuação especifica para isso? Qualquer pessoa que vá a um juizado especial vê o preposto ou o advogado da empresa ganhando R$ 25 para simplesmente comparecer, sem acrescentar nada às audiências.
Marcus Vinicius ? Essa é uma matéria muito sensível, porque obviamente há a lei de mercado. Mas a lei de mercado não pode ser a lei da selva. O mínimo da dignidade profissional tem que ser respeitada. Há quem defenda, no âmbito da discussão do novo Código de Ética do advogado, a possibilidade de se constituir o tipo de falta ética que é a prática de honorários aviltantes. E nós temos a campanha de valorização do jovem advogado, que defende o piso do advogado. Em 11 estados do Brasil, as secionais da OAB já conseguiram o piso por lei estadual.
ConJur ? Em números absolutos, nós estamos falando de quanto, em média?
Marcus Vinicius ? Os estados fixam pelo menos R$ 2 mil. Porque há infelizmente escritórios que pagam ao advogado menos do que pagam a funcionários do escritório que não têm nível superior. Há a possibilidade de lançarmos a campanha ?Escritório Legal?, que é o escritório que cumpre com o piso para divulgar ser um elemento do bom conceito. Nós defendemos também o piso para o professor de Direito. Um dos problemas da falta de qualidade de boa parte das faculdades de Direito é que a faculdade finge que paga o professor, o professor finge que ensina o aluno e o aluno finge que aprende. E isso repercute depois na má aprovação no Exame de Ordem e no não ingresso na profissão da advocacia.
A frase mais interessante deste trecho da entrevista foi esta: "Mas a lei de mercado não pode ser a lei da selva."
Dela deriva uma pergunta significativa: por que não?
Em economia, a Lei da Oferta e Procura é a lei que estabelece a relação entre a demanda de um produto - isto é, a procura - e a quantidade que é oferecida, a oferta. A partir dela, é possível descrever o comportamento predominante dos consumidores na aquisição de bens e serviços em determinados períodos, em função de quantidades e preços.
Se a oferta de determinado produto (ou serviço) excede muito à procura, o preço tende a cair. Ou seja: como a oferta de serviços advocatícios está em alta (muitos profissionais no mercado), bem acima do número de demandas, o valor a ser pago como contraprestação tende a cair. Por isso as remunerações aviltantes ofertadas aos jovens advogados.
Do contrário, obviamente, se a oferta do serviço cai, o valor a ser pago tende a aumentar.
Assim funciona o mercado.
Então, quando falamos de aviltamento de honorários, temos na realidade um reflexo da constituição do próprio mercado, saturado em função da explosão do número de faculdades de Direito nos últimos 20 anos. O aviltamento é um desdobramento natural da expansão educacional feita sem critério algum para beneficiar poucos grupos econômicos.
O presidente da OAB projeta, de alguma forma, interferir no mercado para, de alguma forma, modificar a forma como as relações contratuais ocorrem e assim alterar o quadro remuneratório.
Seria então a constituição do chamado mercado imperfeito.
Imperfeito porque demanda uma interferência regulatória para manter sua operacionalidade dentro de padrões pretendidos. Hoje o mercado já é imperfeito, pois várias seccionais conseguiram instituir em suas unidades da federação um piso salarial para jovens advogados. Mas, mesmo assim, o aviltamento continua.
Em contrapartida, um mercado perfeito dispensa dispensa intervenções regulatórias, pois há um equilíbrio entre a oferta e a demanda. Não o caso da advocacia, como está claro.
A pergunta é: tem como a lei de mercado deixar de ser a lei da selva?
Esse é um belo desafio!
E a resposta eu dei ano passado no post O fundo do poço: a realidade de um mercado em que um advogado recebe R$ 20,00 para fazer uma audiência. Vou reproduzi-la aqui
Não que eu despreze o trabalho da entidade ou as boas intenções que visem mitigar essa realidade, mas eu acredito piamente que a questão é absolutamente INSOLÚVEL.
E o é por motivos óbvios.
Primeiro porque tratam-se de relações privadas, e a Ordem só pode tomar alguma providência se a parte explorada fizer uma denúncia. De outra forma, a entidade não tem como controlar as múltiplas relações contratuais que ocorrem a cada santo dia. Não existe, portanto, um poder fiscalizatório eficiente, e nem poderia ter.
Depois, a parte explorada que fizer uma denúncia IMEDIATAMENTE é posta à margem do sistema. Quem contrata detém o poder econômico, da mesma forma que tem estabelecido, em regra, uma teia de relacionamentos com os outros agentes do mercado, ou seja, os outros escritórios que terceirizam serviços. Se um advogado busca seus direitos e tenta quebrar a regra do mercado (imposta de forma natural, diga-se de passagem), ele será inexoravelmente rifado do sistema. Ninguém quer pagar mais caro se pode pagar barato e ninguém quer contratar quem não é confiável quanto ao acordo de valores previamente estabelecido.
Ou seja: ou joga o jogo ou está fora.
Por fim, o grande causador do problema, o ensino jurídico super-saturado, continua do jeito que está e provavelmente continuará por muito tempo.
O drama da saturação decorre diretamente da expansão desenfreada de vagas de Direito em faculdades particulares. Hoje somos 800 mil advogados, e talvez fôssemos uns 2 milhões caso o Exame de Ordem não existisse.
É o Exame que impede(!) a precarização absoluta da profissão.
Sabemos que a OAB está interferindo no MEC para acabar com a expansão do ensino jurídico superior. E, creio, vai conseguir, mas uma coisa é impedir a expansão, outra, completamente diferente, é REDUZIR o atual quadro. Isto a OAB não vai conseguir fazer, pois o lobby do mercado da educação tem uma imensa influência e um belo de um poder econômico.
Por mais que a entidade se mobilize, crie pisos profissionais, faça ou aconteça, não vai conseguir mudar o quadro. A OAB não tem força para isto e suas mobilizações são meramente paliativas, quando não eleitoreiras.
O contexto é mais forte do que a entidade.
O mercado é resultado de um consenso entre os atores deste mesmo mercado, ou seja, ele, o mercado, NUNCA está errado.
A única solução orgânica para este quadro está em fechar o maior número possível de faculdades de Direito e esperar décadas para a situação se normalizar, afora esperarmos também um crescimento significativo da economia para ela poder absorver a mão-de-obra disponível.
Bom....não imagino ninguém fechando faculdades livremente, assim como a nossa economia vai de mal a pior.
As soluções possíveis dentro do atual contexto só irão produzir efeitos periféricos, por melhor que sejam as intenções.
Tenho a firme crença de que depende exclusivamente aos jovens advogados mudarem a própria realidade ao buscarem freneticamente uma melhor formação e outros fatores de diferenciação em relação aos demais profissionais. Quanto mais qualificado e diferenciado um profissional for, melhores chances ele terá perante o mercado.
Ninguém pode esquecer de uma preciosa regra econômica: o valor está na raridade!
O advogado "commodity", igual aos demais, sem vontade de crescer, está condenado a receber R$ 20,00 por uma audiência.
E nada, e nem ninguém, vai livrá-lo desta realidade.
O mercado não tem pena de ninguém.